Reencontro com Amin Maalouf
julmar, 22.07.20
Nos bancos da escola que eu frequentei, fui muito mal educado. Não porque eu me portasse mal que no incumprimento da regra, cívica ou escolar, a régua impunha a ordem. Nenhum erro sem castigo era o norte de quem mandava. Foi assim que, a bem ou a mal, entre outras matérias aprendidas na História. Da História de Portugal não se estudava a mais recente, relativa à instauração da República, porque isso incomodava o regime; da História , dita Universal, os professores nunca tempo para ' adr a matéria da Idade contemporânea. Ocorreu-me isto ao ler este autor, com quem não me encontrava, desde a leitura do livro “Identidades Assassinas”, um autor da minha geração, geração que viveu, vive numa época extraordinária. São 70 anos de História! É um prazer, agora com tempo e algum distanciamento nãó apenas temporal, ver como vivemos esses acontecimentos.
Aqui deixo um extrato dos acontecimentos por volta de 1979.
O que me saltou claramente à vista, ai revisitar a atualidade do passado, foi que se deram, por volta de 1979, acontecimentos determinantes, cuja importância me passou despercebida na época.
Provocaram, em todo mundo, uma espécie de “viragem “ duradoura das ideias e dos comportamentos. A sua proximidade temporal não resultou certamente de uma ação consertada mas também não foi fruto do acaso. Diria antes que se tratou de uma “conjunção” . Foi como se tivesse chegado o pico de uma nova “estação” e a suas flores desabrochassem em 1000 lugares ao mesmo tempo. Ou como se o “espírito do tempo “ estivesse informar-nos sobre o final de um ciclo ciclo e o início de outro. Este conceito, forjado pela filosofia alemã com a designação de Zeitgeist, é menos fantasmagórico do que parece; é, até, fundamental para se compreender o desenrolar da história. Todos aqueles que vivem numa mesma época influenciam- se uns os aos outros, de maneira diversa e sem que habitualmente sejam conscientes disso. As pessoas copiam-se, imitam se macaqueiam- se, adaptam suas atitudes prevalecentes, por vezes em modo de contestação. E em todas as áreas —Na pintura, na literatura, na filosofia, na política, da medicina, bem como no vestuário, no aspecto ou no penteado. É difícil definir os meios pelos quais o referido espírito se difunde e impõe, mas é inegável que funciona, em todas as épocas, com uma eficácia implacável.E, nesta era de comunicação massiva e instantânea, as influências propagam-se muito mais rapidamente do que no passado. Habitualmente, o espírito do tempo age sem que as pessoas se apercebam. Contudo, o seu efeito é por vezes tão manifesto que a sua intervenção quase se torna visível em tempo real. Em todo o caso, foi essa a sensação que tive eu ao voltar a debruçar-me sobre história recente, para tentar retirar dela alguns ensinamentos. Como foi possível que me passasse despercebida uma conjuntura tão forte entre os acontecimentos? Há muito tempo que deveria ter chegado à conclusão que agora me salta à vista, ou seja, de que acabamos de entrar numa era eminentemente paradoxal, na qual a nossa visão do mundo iria transformar-se e, até, inverter-se. Doravante,
seria o conservadorismo e proclamar se revolucionário enquanto o objetivo dos adeptos do progressismo e da esquerda passaria a ser apenas a manutenção dos direitos adquirido
s. Nas minhas notas pessoais comecei a mencionar “um ano de inversão” ou por vezes, um ano de grande viragem, e a recensear os factos marcantes que parecem justificar tais designações. São muitos irei referir alguns ao longo destas páginas. Contudo, há dois que considero particularmente emblemáticos: a revolução islâmica proclamada no Irão pelo auatola Khomeini em fevereiro de 1979, e a relação conservadora levada a cabo no Reino Unido pela primeira ministra Margaret Thatcher, a partir de maio de 1979.
Existe um mar de diferença entre os dois acontecimentos, tal como entre os dois conservadorismos. E também obviamente, entre as duas personagens-chave; Para encontrar na história de Inglaterra algo equivalente ao que aconteceu no Irão com com Khomeini seria necessário recuar até a época de Cromwell, na qual revolucionários regicidas eram igualmente puritanos e messiânicos. No entanto, existe, entre as duas sublevações, uma certa semelhança que não se resume a proximidade das datas. Em ambos os casos, ergue-se o estandarte da revolução em nome da força sociais e doutrinas que haviam sido até então, as vítimas ou, pelo menos, os alvos das revoluções modernas: num dos casos, os adeptos da ordem moral e religiosa; no outro, os adeptos da ordem económica e social. Cada uma destas duas relações iria ter repercussões importantíssimas a nível planetário. As ideias da senhora Thacher iriam chegar rapidamente aos Estados Unidos, com eleição de Ronald Reagan para a presidência; enquanto a visão khomenista de um Islão simultaneamente insurrecional e tradicionalista, resolutamente hostil ao ocidente, iria propagar-se pelo mundo, assumindo formas muito variadas e afastando as abordagens mais conciliadoras.
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