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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

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Os meus amigos. Hortêncio da Silva

Avatar do autor julmar, 16.07.20

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Tenho, para minha felicidade, um conjunto de amigos  com quem partilho a minha vida com laços tão fortes que a perda de qualquer um deles seria uma verdadeira morte para mim. Já me tenho zangado com alguns e, por vezes, passa muito tempo sem nos vermos. Nem sempre é facil a relação, porque o tempo é limitado e cada um deles me solicita para convívios, trabalhos, tertúlias muito diferentes e quando se juntam todos é certo o desacordo. Vejo-me e desejo-me para os manter como amigos. Um deles, de nome Afonso Leonardo, de perfil conservador, pediu-me pra escrever num blog, o primeiro que tive, chamado O Pitagórico, porque um amigo meu, de nome Ruas, com a profissão de professor, escrevia, no referido blog, artigos, que muito o enervavam, em que se queixava da falta de respeito à dignidade dos professores, dado o exercício do seu ofício, que era grande ofensa não ser reconhecida. Foi uma contenda que, felizmente, não passou do papel. O amigo Amora Da Silva, começou por ser apenas Da Silva  e conheci-o, não sei exatamente quando, mas foi nos bancos da escola. O que me foi chamando a atenção nele era o seu feitio introvertido, mais dado a confessar à folha de papel os seus pensamentos do que a partilhá-los com gente. Dado ao silêncio, foi desenvolvendo um descrédito cada vez maior nas histórias que lhe contavam com a obrigatoriedade de nelas acreditar se não quisesse que toda a vida neste mundo e no outro fosse um tormento perpétuo. Já nos bancos da Universidade eu olhava para a folha de papel do Da Silva e estava sempre dividida por uma linha de alto a baixo. Do lado esquerdo ia tomando notas da lição respeitando com exatidão a exposição do professor. Do lado direito, garatujava, poetava, citava e, sobretudo, criticava. Havia dentro dele como que um princípio de desobediência, de dúvida que obrigavam a uma suspensão do juízo ou a ajuizar contra a autoridade. Deu-se conta, mais tarde, que estava a exagerar nesse seu criticismo e, querendo adoçá-lo, onde ao cimo da página escrevia, do lado direito - Da Silva, passou a escrever Amora Da Silva.

Não é tempo de falar dos amigos Luís Leonardo, Inocêncio da Silva, Florêncio da Silva ou Julião.

O que me trouxe aqui foi Hortêncio da Silva, um amigo da minha mais tenra idade, do tempo em que manhã, muito cedo íamos para o campo regar, semear, plantar, sachar, colher... um autêntico jardim de infância com atividades tão variadas. Este amigo, chegado o confinamento por mor de uma epidemia que passou a pandemia, disse-me:

- Bem que  me podias deixar fazer uma horta aqui num canto do teu jardim.

- E tu, ainda, sabes fazer isso?

- Claro, há coisas que nunca se esquecem. 

Não é por nada. Mas agora que os outros amigos não ouvem, adoro o Hortêncio