Os manuais escolares: Em suporte de papel ou em suporte eletrónico?
julmar, 26.05.17
Hoje enquanto tomava o meu café, dois rapazinhos de nove anos, sentadas ao meu lado, divertiam-se cada um com o seu smartphone. Peguei conversa com eles, medindo a reação: - Pois, vocês hoje ficaram muito tristes por não terem aulas! (greve na Função Pública). Caçoaram comigo: - Sim,sim. Ficámos banhados em lágrimas!
E lá continuaram mostrando um ao outro um jogo e os níveis que já tinha atingido. Esta será uma geração que vai ter uma relação com o saber completamente diferente da dos seus professores. Pena é que o ME, a escola e os seus professores não favoreçam e orientem, desde já, as mudanças que são inevitáveis, que não favoreçam, obstaculizem ou se recusem a utilizar meios com uma eficiência incomparável aos suportes tradicionais. Os suportes, a forma de produção e difusão da informação (a invenção da escrita, a descoberta da imprensa de Gutemberg, a televisão) provocaram autênticas revoluções. Nenhuma delas teve um potencial tão grande como as novas tecnologias de informação e comunicação. A sala de aula continua, a maior parte das vezes, a funcionar como se nada estivesse a acontecer ou quando muito a utilizar parte das novas tecnologias apenas como substitutas das anteriores: o quadro interativo a substituir acetatos ou projetor de slides, conservando, assim, um modelo de ensino centrado na informação que o professor escolhe e expõe a todos os alunos, mudando um bocadinho para tudo ficar na mesma. Por vezes, quando os professores ousam ir mais além e não dominam, suficientemente, as novas tecnologias fica pior a emenda do que o soneto. Cada professor faz apenas aquil que sabe e o melhor que sabe, é, quase sempre, o modelo que lhe serviu enquanto aluno. A escola na sua organização, à parte a parte administrativa, continua a ser aquilo que sempre foi. O ministério faz o que sabe fazer: remendar. As escolas reclamam autonomia mas é coisa que não estão em condições de fazer dela um exercício sério.
O ùnico projeto que houve de introdução das novas tecnologias nas escolas aconteceu no primeiro governo de Sócrates: Criação de uma infra-estrutura de redes, de computadores e instalação de Quadros Interativos nas salas de aulas e uma formação extensiva a todos os professores. No primeiro ciclo houve a distribuição de computadores aos alunos, uma medida importante que os opositores denegriram e ridicularizaram.
Deambulei por tudo isto, quando o que me moveu a esta escrita foi uma notícia lida num diário sobre as multas que seriam aplicadas aos encarregados de educação caso os manuais a entregar no final do ano letivo não estivessem em condições. E lembrei-me do tempo em que era professor e em que também fazia a avaliação do uso que os alunos davam aos manuais. No dia do teste, era já uma rotina, os alunos colocavam o seu manual na minha secretária. Enquanto faziam o teste, um por um avaliava-os a todos: Livro que estivesse virgem tinha a pior classificação; livro que estivesse bem sublinhado, bem anotado, digamos todos os indícios de que ali se trabalhara teria uma boa classificação. Ensinar técnicas de estudos, entre as quais se contava o bom uso do manual era matéria das primeiras aulas. Se fosse hoje não me livraria de que os pais me remetessem as coimas para eu pagar. Mas, então, não é ridículo pedir a alguém que trabalha que não desgaste ou não use a ferramenta, que a poupe para quem vem a seguir?
Continuo a não perceber por que é que o suporte da informação tem de ser em papel. Sim, eu também gosto de livros de papel (tenho uns bons milhares), gosto deles como objetos físicos, gosto de os folhear, dos mais antigos em que aprecio o cheiro caraterístico. Como gosto de objetos artesanais. Hoje também já tenho milhares de livros em suporte eletrónico (ebooks) e se preciso de uma obra de Aristóteles, de Descartes ou de Kant, da Bíblia ou do Corão já não preciso de ir à estante. Hoje já não estou com tempo nem disposição, mas um dia destes faço um quadro comparativo das vantagens e desvantantagens da utilização de um manual em suporte eletrónico e de um manual em suporte de papel. Se quiser, faça esse exercício.