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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

O prazer de reler G. Bachelard

Avatar do autor julmar, 05.11.14

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Em tempos que lecionava filosofia, este era um texto que os alunos estudavam no 11º ano, no contexto de um excelente programa que se preocupava com a construção do espírito científico

«A idéia de partir de zero para fundamentar e aumentar o próprio acervo só pode vingar em culturas de simples jus- taposição, em que um fato conhecido é imediatamente uma riqueza. Mas, diante do mistério do real, a alma não po- de, por decreto, tornar-se ingênua. É impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais. Diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deve- ríamos saber. Quando o espírito se apresenta à cultura cien- tífica, nunca é jovem. Aliás, é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à ciência é rejuvenescer espi- ritualmente, é aceitar uma brusca mutação que contradiz o passado. A ciência, tanto por sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se absolutamente à opinião. Se, em deter- minada questão, ela legitimar a opinião, é por motivos diver- sos daqueles que dão origem à opinião; de modo que a opi- nião está, de direito, sempre errada. A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessidades em conhecimentos. Ao desig- nar os objetos pela utilidade, ela se impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado. Não basta, por exemplo, corrigi-la em determinados pontos, man- tendo, como uma espécie de moral provisória, um conhe- cimento vulgar provisório. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreen- demos, sobre questões que não sabemos formular com clare- za. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conheci- mento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.» A Formação do Espírito Científico