O filósofo e o lobo
julmar, 02.04.21
Ao longo dos anos fui descobrindo que pouco aprendemos sem desobediência ao que aprendemos, que os mestres normais, mesmo quando muito certificados, são balões de vento, que o rebanho nos dá segurança mas nos rouba a liberdade, que as veredas nos ensinam mais que as auto-estradas ...
E o facto de me ter dedicado à filosofia, mais por necessidade do que por liberdade, veio a revelar-se um caminho que condiz mutio com o que sou, ou que a própria atividade filosófica fez de mim. E, dos muitos livros de filosofia que li, este terá em mim um lugar especial. À parte a comovente narrativa pessoal, voltarei a ler algumas partes. E Mark Rowlands passou a pertencer aos meus amigos filósofos. Seria um prazer, embora ele prefira lobos e cães, poder fazer uma longa caminhada com ele.
"Se o significado da vida não é felicidade, nem é uma meta, então o que é? Que género de coisa poderá ser, afinal? No que respeita a problemas filosóficos, Wittgenstein costumava falar do movimento decisivo no truque de magia. Um problema filosófico aparentemente insolúvel será sempre baseado numa outra assumpção que inconscientemente, e em última análise ilicitamente, trouxemos para o debate. Esta assumpção coloca nos definitivamente perante uma certa maneira de pensar sobre o problema. E o impasse aqui no a que inevitavelmente, acabaremos por chegar, é a expressão não do problema em si, mas da assumoção que nos levou a pensar sobre o problema da maneira que pensámos.
Quanto ao significado da vida, aqui vai a minha sugestão para o meu movimento decisivo do truque de magia. Partimos do princípio que o que é mais importante na vida é ter alguma coisa. Se a nossa vida é uma linha constituída pelas flechas arqueadas dos nossos desejos, então podemos com possuir o que quer que essas flechas englobem. Na América ocidental do século XIX, prometia-se aos colonos a terra que conseguissem a percorrer de um dia. A isso chamava-se apropriação da terra. Acreditamos que podemos, em princípio, possuir o que quer que seja que as flechas dos nossos desejos, objetivos, e projetos possam cobrir. O mais importante da vida-o significado da nossa vida-pode ser agarrada através do talento, do trabalho e, talvez, de sorte. Talvez isso seja a felicidade, ou talvez seja um objetivo. Ambas são coisas que podemos ter. Mas, aprendi com Brenin, o mesmo não acontece com o significado da vida. A coisa mais importante da vida-o sentido da vida, se quisermos pensar nela assim-encontra-se precisamente naquilo que não podemos ter.
A ideia de que o sentido da vida é algo que pode ser percebido é, desconfio , um legado da nossa alma símia. Para um Primata, possuir é muito importante. Um primata julga-se a si próprio em termos daquilo que possui . Mas para um Lobo o que é fundamental é ser, e não ter. Para um lobo, o mais importante da vida não é possuir uma coisa ou uma dada quantidade. É ser um certo tipo de Lobo. Mas mesmo que sejamos capazes de reconhecer isso, a nossa alma símia depressa tentará reiterar A primazia da possessão. Ser um certo tipo de Primata-é algo que poderíamos tentar alcançar. Ser um certo tipo de Primata é apenas mais um dos objetivos que podemos ter. O primata que mais queremos ser pode constituir a meta que queremos atingir. Pode ser algo a ser alcançados se formos suficientemente inteligentes, suficientemente aplicados, e suficientemente sortudos . A lição mais importante e mais difícil da vida é de que não é assim que as coisas são. O Mais importante da vida real não é algo que possamos ter. Sentido da vida encontra-se precisamente naquelas coisas que as criaturas temporais não podem ter: momentos. É por isso que é tão difícil para nós reconhecer um sentido plausível para a nossa vida. Momentos são a única coisa que nós, primatas, não conseguimos possuir. A maneira como percebemos as coisas baseia-se em apagar o momento-os momentos são coisas que alcançamos para poder prosseguir os objetos do nosso desejo. Queremos perceber as coisas a que damos valor, reclamar o direito a essas coisas; a nossa vida é uma enorme apropriação de terras. E por causa disso, somos criaturas do tempo, e não criaturas do momento: o momento que sempre nos escapa por entre os nossos gananciosos dedos e polegares opostos. Quando digo que o sentido da vida se encontra nos momentos, não pretendo repetir aquele sermãozinho simplistas que nos imploram para vivermos o momento. Nunca aconselharia ninguém a fazer algo que é impossível. Antes, a ideia é a de que existem certos momentos, não todos os momentos-nem por sombras, mas existem certos momentos; e à sombra desses momentos havemos de descobrir o que é mais importante na nossa vida. São esses os nossos momentos mais altos."