Nós e a Europa ou Nós ribacudanos e Portugal
julmar, 06.12.20
Estive em agosto, no ano da morte de Eduardo Lourenço, em S. Pedro do Rio Seco, berço do escritor, uma aldeia fronteiriça, 5 Km a norte de Vilar Formoso, num percurso pelas pelas aldeias da histórica região de Ribacôa de que tive primeiro conhecimento através do boletim paroquial “Terras de Ribacôa”, publicado nos anos 50 e 60 do século passado. Vilar Maior, donde sou natural, pertencia a essa região que, à época, tinha uma forte densidade populacional e, embora, economias de subsistência, alimentavam as cidades com géneros alimentares e os exércitos e forças de segurança com mancebos para quem o alistamento era a quase única porta para o mundo. Foi por aqui que a porta se abriu ao pai do Eduardo que o pôde colocar a estudar no Colégio Militar. Havia uma segunda porta que era “ir para o seminário “, a porta que a mim me trouxe até aqui, à escrita deste pequeno texto que não é o Nós e a Europa mas o Nós ribacudanos e Portugal. Lembro-me de ter lido, há anos, uma entrevista a Eduardo Lourenço em que afirmava que se não tivesse saído de Portugal nunca teria escrito o que escreveu por causa do clima. Não se referia, claro, ao clima natural mas ao clima cultural. Há, por vezes, uma tendência natural em considerar o homem como um fruto das circunstâncias, um determinismo sociológico que nos desresponsabiliza do que somos. O SE é o grande álibi para tudo quanto não fizémos, para tudo o que não dissemos, para tudo o que não escrevemos, para tudo o que não somos e, até, citamos, incompletamente, Ortega y Gasset "Eu sou eu e a minha circunstância" para justificar o nosso caminho: podia ter andado mais, podia ter feito melhor, podia ter tomado outra decisão, aliviando o eu e carregando na circunstância. Esquecemos a segunda parte da citação: "Se não salvo a ela, não me salvo a mim.”
Acontece que quem se encosta demasiado ás circunstâncias acaba por cair, antes que a morte chegue. Não foi o caso de Eduardo Lourenço, vivendo num tempo em que ainda não se haviam inventado elevadores sociais mas, apenas, íngremes escadas.
Teria gostado, no entanto, de ler uma obra sua, um pequeno texto sobre S. Pedro do Rio Seco, sobre o Ribacôa; teria gostado que à sua terra natal, para além do corpo, tivesse entregue um pouco mais da sua alma. Mas isso sou eu ocupado com o mundo das pequenas cousas, morador num pequeno lugar onde a alma me ficou cativa, crente nos versos de Alberto Caeiro:
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...