Lendo Aquilino - Para quê ensinar a ler e a escrever?
julmar, 25.02.14
O analfabetismo, a incivilidade é persistente no país. O capítulo IV do livro é sobre isso que fala de maneira explícita, já que em toda a obra de Aquilino existe tanto de encanto pela terra, pala gente e pels bichos como indignação e desprezo por uma classe dirigente parasitária, prepotente e incivilizada.
«Em regra, o camponês vê-se e deseja-se para atamancar a vida. Há ramos em que ele se defende menos mal; mercê porém de factores novos de ordem psicológica, fá-l muito pior do que há anos a esta parte. Um deles e dos mais notáveis diz respeito à vestuária. A fazendinha de regadio produzia-lhe o linho de uqe fazia os lençóis, a camisa os sacos, as calças de verão e até a mortalha. As ovelhas davam-lhe a lã de que urdia o burel em que talhava a andaina, capucha, barrete e meiotes. Este burel batido nos pisões, com mais pisadura ou menos pisadura, adaptava-se aos diferentes graus da sua necessidade: impermeável para a chuva; leve para as festas; rala - a chamada serguilha - para os aventais; entretecida com trapo, para mantas da cama. Noutros tempos eram os pastores que confecionavam os botões, recortando-os no chifre, atrás do gado. Aparte as brochas para os tamancos e o cabedal para as encoiras, o serrano estava-se marimbando para o flibusteiro (...)
O português resigna-se a tudo menos a não ter opinião ou a não deitar a sua sentença. E como se julga o mais competente, vá de impor-se e não permitir que os outros pensem diferentemente. O nosso sectarismo e mesquinhez social estão muito nisto.
(...) A aldeia não precisava de nada de fora.
(...) Mas o mundo modificou-se. Veio a estrada a macadame
(...) Vale a pena aprender a ler e a escrever naqueles lugares onde não há necessidade de ler e escrever? Em temos diferentes há alguma vantagem em criar um órgão a que falta a função? A pedagogia, a mais inteligente, a mais tenaz, desacompanhada de outros meios por si só é incapaz de abonar esta quadratura do círculo.
(...) Numa palavra: em toda a aldeia, que não seja servida, ao menos pelo macadame, o esforço escolar escoa-se como a água na areia, sem deixar mais vestígios que uma ociosa e fátua espuma»