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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

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Kaput! Ou quando o sucesso nos cega

Avatar do autor julmar, 22.03.25

Kaput - 1

 

Desde que comecei a conhecer mundo, para além da fronteira de Vilar Formoso, que aprendi o valor atribuído a tudo quanto vinha da Alemanha fossem simples utensílios de cozinha, eletrodomésticos, ferramentas,  máquinas ou automóveis dos quais fiz prova no popular VW Carocha, na citadina (abre)viatura Smart e no Mercedes 220 CDI. No verão de 2024, visitei a Alemanha, na região da Renânia do Norte-Vestefália, nomeadamente, as cidades de Colónia, Bona e Dusseldorf dando para perceber que infraestruturas como os comboios não funcionavam de acordo com a imagem que da Alemanha fazia. Ainda, enquanto estudante de Filosofia,  apercebi-me que, se retirássemos a filosofia feita na Alemanha, só para citar alguns - Leibniz, Shopenhauer, Kant, Heidegger, Husserl, Marx, Adorno, Nietzsche, Habermas - a Europa não ficaria sem tradição filosófica, mas ficaria sem os melhores. O mesmo poderíamos dizer da matemática e da ciência, tudo porque as suas universidades eram de topo, o que é bem manifesto na quantidade de laureados com o prémios nobel :

1) Universidade Técnica de Munique - 18  nas áreas de Física, Química e Medicina.

2) Universidade de Heidelberg : 55 

3) Universidade de Würzburg : 14 

4) Universidade Humboldt de Berlim: 57 ganhadores do Prêmio Nobel, entre eles figuras eminentes como Albert Einstein e Max Weber.

 Dos inventos técnicos, destacaria dois que mudaram o mundo: A Imprensa e o automóvel. 

A pergunta que me fazia  era sobre o que levou a Alemanha a deixar de ser o grande motor da Europa. Foi  isso que me levou à leitura de 'Kaput, o fim  do milagre alemão', uma leitura completamente esclarecedora.

Os seguintes extratos ajudam-nos a entender o ponto a que a Alemanha chegou:

 

Os fabricantes alemães não quiseram desenvolver veículos elétricos por que os consideravam um insulto a sua própria definição do que deve ser um automóvel. Pg 65
Um Tesla é um iPad sobre rodas. “Não há nada mais complicado que criar tal simplicidade” 67
Chamar a atenção do Hortênsio para agricultura vertical 79
O historiador económico (...) resumiu bem o problema que a Alemanha em frente. O país está preso a um modelo de negócios do século XX, disse ele numa entrevista  'na sociologia, isto chama-se incerteza ontológica'. Alemanha definine-se historicamente, em grande medida, através da ideia de trabalho produto nacional- a Wertarbeit alemã. Desde meados do século XX, especialmente na indústria, esta noção tem sido central. Para muitas pessoas, não faz sentido como se pode manter uma sociedade onde a maioria já não trabalha na produção“
Pg 150
O problema fundamental do sistema neomercantilistas alemão não tem a ver com estas questões morais. O verdadeiro problema é a falta de sustentabilidade do modelo. Simplesmente não é um bom modelo de negócios. O meu argumento contra o mercantilismo é, acima de tudo, uma questão de gestão de risco político. Não é sensato basear a prosperidade económica em gigantes industriais como a VW, ainda assente nos automóveis de motor de combustão, ou na BASF, com a sua produção química em massa. Também não é prudente tornar-se dependente do gás e do petróleo russos. E, certamente, não é uma boa ideia depender da China. Mas, infelizmente, foi exatamente isso que aconteceu. Página 152
“Sholtz e o seu governo não viram esta crise chegar. Até os Verdes estavam totalmente comprometidos com o modelo industrial corporativista. Apesar das suas diferenças políticas, todos concordavam nisto. A indústria era boa. A direita queria os lucros da indústria. A esquerda queria os empregos industriais. Os Verdes sonhavam com uma indústria verde. Ninguém questionava a excessiva dependência da Alemanha da própria indústria Em vez de diversificar a economia para outros setores, a Alemanha duplicou aposta. Era o único sistema que alguma vez conhecera.”

Enfim, uma conclusão pessoal: O sucesso gerou insucesso. A Alemanha era tão bem sucedida na indústria analógica que lhe passou ao lado a indústria digital, ainda que tenha sido a fundadora da ciência que a suporta: a Física Quantica.