Jalan, jalan ou a razão encontrada de andar, passo a passo
julmar, 02.08.18
“Viajar é uma forma de loucura, é sair do seu lugar, prescindir do conforto e entregar-se ao desconhecido. Se por vezes ofazemos por compulsão ou por interesse ( motivações tão importantes ou válidas quanto quaisquer outras, o passeio é nesse sentido, um ato artístico, que encontra novas paisagens paisagens, novas formas de vida, sem deliberadamente procurar nada. É, como qualquer viagem, um ato que abdicar da segurança do lugar comum, mas que encontra prazer no próprio ato de caminhar. O caminhante perde a história, ansiedade. É o epicurismo a andar pelos campos. Cada passo que é uma renúncia e uma forma de desapego. Jalan, jalan é andar melhor. Por um motivo simples: não é utilitário, não tem um percurso definido, há uma liberdade intrínseca. Assemelha-se à arte. É uma atividade que prescinde de técnica. Ninguém tem de ter um modo eficiente de andar para poder passear. Não há tempo envolvido. Não há limitações, não há pressa. Nem sequer vagar. A noção do tempo perde-se na contemplação da paisagem. Um passo reencarna outro passo e também a mesma essência o hedonismo do gesto. Passear é o que fazemos para não chegar a um destino, não se mede pela distância nem pela técnica de colocar um pé à frente do outro, mas sim pelo modo como a paisagem nos comoveu ou como o voo de um pássaro nos tocou. É um pouco como a arte, tem valor imenso de tudo aquilo que não tem valor nenhum. Pode não ter razão, destino, objetivo, utilidade, e é exatamente aí que ri reside a riqueza do passeio.”
In, Jalan, jalan - uma leitura do mundo, de Afonso Cruz