Gente que conheci - Alberto Bastos
julmar, 08.01.22
Por vezes, os anos começam assim com a notícia da morte de um amigo. Todos os meus amigos são especiais ou não seriam meus amigos. Não tenho muitos amigos e a maior parte deles começa o nome pela letra A. Coisas do acaso que é também assim que as coisas começam e, também, as amizades. Por acaso, iniciei a minha carreira de professor em Vale de Cambra como a poderia ter começado em qualquer outro lugar, que qualquer um serviria o meu propósito primeiro, o de 'ganhar o pão nosso de cada dia". Mas o pão não é tudo na vida. E ali encontrei gente com quem contruí amizade para o resto da vida. Entre eles o Alberto, regressado da guerra colonial, que como a maior parte dos oficiais , com parte das economias realizadas, compravam um automóvel - Fiat 128, Datsum 1200, Toyota Corola ... -. O Alberto comprou um Austin 1300 de cor vermelha a que mandou aplicar uns cintos de segurança, à época não obrigatórios.
O Alberto como eu e outros em iguais circunstâncias dávamos aulas e do horário de professor sobrava tempo para correr tabernas, tabernáculos e botequins de Vale de Cambra e arredores, desde a Ponte da Borbolga, onde íamos mais que pelo vinho pelos olhos verdes e doces da Amélia, à Barragem Duarte Pacheco, à Serra da Freita, às Baralhas, até às terras de Sever onde, no Zé Teimoso, a noite se prolongou na companhia de pitéus e de um vinho verde, bebido à solta sob pretexto que sendo verde não precisava de travão. Fechada a porta, a altas horas da noite, metemo-nos no carro, e a custo, conseguimos chegar a Dornelas. Aí parámos e ficámos até de manhã, por nenhum se sentir capaz de conduzir.
Certo dia, nas férias grandes, apareceu-me à porta de casa de meus pais, na aldeia, o Alberto e o Vitor regressados de uma viagem a Andorra onde, à época, se satisfaziam os desejos consumistas de várias mercadorias a baixo preço, cumprindo a promessa de uma visita. Ali ficaram uns dias e nunca mais se esqueceram dos fartos pequenos almoços de chouriço, presunto, queijo, pão tudo produtos da casa.
O Alberto vivia a vida com o mesmo jeito que bebia um copo - com gosto, provando, saboreando, sorvendo até à última gota, partilhando, saudando, rindo, rindo muito, rindo com os outros, por vezes, até não poder mais. E na tentativa de esgotar a vida até ao amâgo, tornava-se poeta e ator, para que na palavra e no gesto a vida toda se realizasse.