Como se entrasse em casa
julmar, 22.10.22
Nenhum outro livro me poderia fazer regressar à minha fase infanto-juvenil e revisitar a minha vida no seminário de uma forma tão completa: um tempo quase o mesmo - a década de sessenta -, numa institução regida pelos mesmos normativos - no meu caso, seminários de Beja, Évora e Coimbra -, numa Igreja dividida entre o passado e o futuro, numa Igreja a viver em concluio com a ditadura benzendo os que partem para a guerra e toda a obra do Estado Novo. Com personagens diferentes mas tudo tão igual: a mesma disciplina, a violação da correspondência, a ameaça permanente de ser expulso e de não saber o que fazer ( em concluio, o Estado não reconhecia os estudos feitos no seminário), as leituras clandestinas, os interrogatórios do reitor, os castigos, a violência (física também), o medo, mas também as amizades, as colónias de férias (fiz algumas no seminário do Fundão), e a luta por uma igreja diferente inspirada no concílio Vaticano II. Felizmente, os colegas do meu ano formámos um grupo tão coeso, lutador e excecional que o seminário de Évora apenas nos suportou um ano. A seguir, enviaram-nos para o seminário de Coimbra, bastante mais arejado. Aprendi, à minha custa, que a desobediência é o pecado mais grave, talvez o único pecado e que, sendo filho de Eva, lhe devia seguir o exemplo. É o preço da liberdade.
Já agora, partilho com o autor do livro as terras do concelho do Sabugal, ele de Vale de Espinho, eu de Vilar Maior. Daqui lhe envio o meu agradecimento pela forma perfeita como me fez reviver esse tempo.