Andar até encontrar o Adamastor
julmar, 01.11.22
Iniciei a viagem em 28 de Setembro, às 6 horas, de 2019 e cheguei à cidade do Cabo em 28-10-2022. Demorei dois anos, nove meses e vinte e oito dias. Percorri 10 135Km. Levantei-me todos os dias para caminha, a maior parte deles antes do nascer do sol. A uma média de 5Km/hora, foram duas mil e vinte e sete horas. Subi nas margens do Nilo até ao largo Vitória. Percorri países de que aqui fui dando nota.
Não o teria feito sem muitas ajudas: do meu mestre Gedeão a quem pedi o mantra:
Não há ventos que não prestem /Nem marés que não convenham/ Nem forças que me molestem/ Correntes que me detenham.
Sem a minha oração profana do amanhecer de cada dia:
Avé Júlio, cheio de graça/O universo está contigo/ Bendito és tu entre todos/E abençoado é o fruto das tuas ações
Sem o deus das pequenas coisas que é o deus de todos os que caminham os trilhos da liberdade, e, na parte final, a companhia do Coa, o meu Farrusquinho.
Não há caminhante que vá do norte ao sul de África sem levar bem dentro de si perseverança, humildade e coragem. Como diz Flaubert, "viajar torna um homem modesto", ao que acrescentaria, sobretudo o homem que viaja a pé.
Cheguei ao cabo, ao Cabo da Boa Esperança, à Cidade do Cabo, lá onde mora a memória do Adamastor que se ergeu assustador como uma barreira entre o mar, o céu e a terra guardadndo o segredo das ìndias
Agora que atravessei o Bojador, onde encontrarei a minha Índia?
Porém já cinco Sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d’outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando ũa noute, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Ũa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
(...)
39
«Não acabava, quando ũa figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
(...)
41
«E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d' estranho ou próprio lenho;