A Ucrânia e a Rússia
julmar, 16.06.23
Questionei-me, muitas vezes, por que razão na região de Ribacôa, que conheço passo, a passo, tinha havido, ao longo da História, um culto tão grande ao mártir S. Sebastião que se expressava nas solenes festas e procissões em vilas, aldeias e lugarejos em cujas igrejas não faltava altar do santo e, na maioria dos casos, dispunha mesmo de uma capela autónoma. Ora, se bem que que o cristianismo seja tido como uma religião monoteísta, a verdade é que, sobretudo na vertente católica, se aproxima muito do politeísmo. Não há atividade ou mal humano para o qual não exista um protetor, um padroeiro a quem se possa pedir que interceda para proteger o bem e esconjurar o mal. E que males há mais cruéis e mais constantes do que a fome, a peste e a guerra que, para serem mais fortes, ainda, andam de mãos dadas? Talvez, então, aí se encontre a resposta à minha questão.
Da religião para a filosofia, várias vezes, durante a leitura do livro que acabei de ler me coloquei a pergunta se a guerra é inerente à natureza (ou à condição?) humana, para o que não faltam fortes argumentos. Lembrei-me, então, de uma leitura antiga de um ensaio de Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII, intitulado "Para a Paz Perpétua" ("Zum Ewigen Frieden"), onde discutiu suas ideias sobre a paz e a possibilidade de alcançar uma paz duradoura entre as nações. Segundo Kant, a paz perpétua não é apenas um ideal inatingível, mas um dever moral da humanidade.
Kant argumentava que a paz não poderia ser alcançada simplesmente através de acordos temporários ou tréguas, mas sim por meio de uma estrutura política e jurídica internacional baseada em princípios morais e direito. Ele propôs três condições principais para alcançar a paz perpétua:
O estabelecimento de uma república mundial: Kant defendia a ideia de uma federação de nações livres, nas quais governos democráticos e representativos se uniriam para resolver disputas pacificamente. Essa república mundial garantiria direitos humanos universais e estabeleceria uma ordem jurídica internacional.
A promoção de princípios de direito internacional: Kant argumentava que os países deveriam ser regidos por leis internacionais justas e imparciais, em vez de dependerem apenas da força e do poder. Essas leis garantiriam a igualdade de tratamento entre as nações, a não interferência nos assuntos internos de outros países e a solução pacífica de conflitos.
A abolição da guerra como instrumento de política: Kant via a guerra como uma violação dos princípios morais e argumentava que ela deveria ser substituída por meios pacíficos de resolução de conflitos. Ele acreditava que os governos deveriam renunciar ao uso da guerra como meio legítimo de alcançar objetivos políticos.E da filosofia para a história, se é que assim podemos chamar aos acontecimentos contemporâneos que nos entram casa adentro, pela televisão, durante todo o dia, todos os dias há mais de um ano e sem fim à vista. E, se a informação TV já deixa muito a desejar, quando se trata de guerra os enviesamentos ou deturpação é quase certa. Por isso, quem quiser saber mais e melhor terá que ler. O livro de D'Anieri vale a pena. Escolhi este pequeno extrato para mostrar como a solução para a paz não é simples. Para os apressados : leiam a conclusão do livro (pgs 411- 441)
A prioridade da política russa no âmbito da CEI vai para as relações com a Ucrânia. Vistas as coisas na sua devida dimensão, as nossas relações têm de ser relações de aliados; acresce que não existe no fundo obstáculo sérios - seja de natureza económica, cultural, civilizacional ou sequer militar ou política -ao desenvolvimento de uma tal aliança. O problema essencial, aqui, é um problema externo e resume-se aos esforços dos EUA e de outras grandes países para não permitirem a reunião da Rússia e da Ucrânia, facto que levaria à formação de um Estado. poderoso na Eurásia, quase da dimensão da antiga URSS. Por outro lado, sem uma estratégia com a Ucrânia, a Rússia não se transformaria numa potência genuína, genuinamente grande., merecedora do apreço, respeito e tratamento devidos a uma verdadeira potência no novo sistema de relações internacionais. O afastamento da Ucrânia, em relação à Rússia e a sua eventual passagem de Estado fraterno à condição de bom vizinho e, posteriormente, de mero Estado vizinho seria, para a Rússia, uma perda estratégica que nem o número de estações em Sebastopol, nem contratos de fornecimento conjunto lograriam compensar. (pg 116)