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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

A paixão de Cristo

Avatar do autor julmar, 12.04.22

Dalí – CRISTO DE SÃO JOÃO DA CRUZ - VÍRUS DA ARTE & CIA.

(Salvador Dali)

Os filósofos dizem coisas banais, coisas que toda gente conhece, coisas que toda a gente diz. Na sequência de tais coisas chegarão a outras que se escondem por trás e esse é mesmo o seu trabalho específico, ir além das aparências. Eu, longinqua sombra do iluminado e iluminista filósofo alemão, I.Kant (1724-1804), consigo, pelo menos, imitá-lo no seu comportamento disciplinado de começar cada dia com uma caminhada, de preferência, antes do nascer do sol. I. Kant, meu mestre, cujo pensamento expliquei, centenas de vezes a milhares de jovens, não sei com que resultados dada a dificuldade de entendimento da Crítica da Razão Pura e da Crítica da Razão Prática. 

Uma caminhada é um encontro com o mundo, com a natureza - o chão que pisamos, o ar que respiramos, os sons, os cheiros, as formas, cores. Desdobramo-nos em sensações, pensamentos, recordações como se o tempo não tivesse tempo, num certo estado de embriaguez. Um mundo fenomenal que ordenamos, categorizamos na tentativa incerta de encontrar um sentido humano. A questão de poder (ou dever) ser um caminho para todos é ela própria filosófica.

Por isso, a religião é importante (mesmo para Hegel que a considerava como a filosofia para ignorantes). Por causa da perdição e da salvação. Porque mesmo adultos continuamos a ser crianças e precisamos, como elas para adormecerem, de uma história que nos resolva o problema da nossa tragédia de sermos humanos - seres frágeis, vulneráveis num mundo de perigos e com um desfecho inexorável - a morte. Precisamos de uma história que tenha um final feliz.

O ciclo litúrgico conta-nos essa história que atinge o seu climax na Semana Santa. Era um tempo sagrado onde tudo era meticulosamente preparado: as imagens dos santos eram cobertas por panos, os sinos -substituídos pelas matracas - deixavam de tocar, a purificação era exterior ( casas, ruas, roupas, louças, corpos, tudo lavado) e interior - a desobriga - o reconhecimento de que somos pecadores, o arrependimento, a conversão e o perdão. Tudo preparado para um desfecho feliz: a Ressurreição. Para quem nasce e vive num mundo assim, qualquer outro é uma loucura. Não há mundo mais perfeito que este mundo imperfeito. A única incerteza é individual: a fé e as boas obras serão suficientes para entrar no reino do céu? É isso que obriga o crente a não descurar, quotidianamente, o cumprimento da palavra de Deus, a ser fiel. 

Por isso, este domingo a minha caminhada matinal me suscitou estas reflexões e apreensão.

Penso que pela primeira vez , na Vila, não se terá celebrado religiosamente o Domingo de Ramos. Ver os campos abandonados, ver a falta de gente, ouvir o silêncio pesado das ruas desertas é doloroso. Porém, neste domingo, ver a porta da Igreja fechada é trágico. Fecharam os moinhos, as eiras e o forno; os lagares e os alambiques; as escolas, também.

Mas a igreja a igreja fechada ... é uma outra dimensão.

Teremos, felizmente, a representação da Paixão