A ovelha negra
julmar, 18.03.25
Meu pai sempre tinha uma ovelha negra no rebanho. Nunca lhe perguntei porquê. Talvez ele nunca se tenha feito esta pergunta que, sem saber porquê, só hoje se me pôs. Entre as setenta ovelhas churras havia só uma merina e também uma negra. O negro e não o preto, aparecia sempre por esta terra, um Vale de lágrimas que, ainda que transitório ninguém queria deixar, como a cor dominante, mas não no rebanho de ovelhas. Mesmo a lã branca era tingida de negro. Era negra a noite, era negro o pão, era negra, da cabeça aos pés, a roupa das mulheres viúvas, era negro o escuro que tomava conta das almas, era negra a fome, era negra a vida. Era negra a pedra que as crianças levavam para a escola e era negro o quadro onde o giz branco ensaiava uma linha tateando o caminho da luz e da liberdade. O negro era a cor obrigatória na sotaina do senhor reitor com uma fiada de alto a baixo de pequeninos botões pretos, encimada por um cabeção preto com uma volta em branco, eram negros os sapatos dos defuntos. Era frio e negro o lume apagado; eram negras as telhas que o fumo cobria de fuligem. Por uma unha negra evitava-se a desgraça sempre a espreitar a ocasião para fazer a vida negra. Era negro o pão.
O que não era negro, negro mesmo negro, era uma aproximação ou anúncio da negridão, fosse tisnado, farrusco, pardo ou pardacento.