Que é o Iluminismo? Lendo Kant (in Terrear)
julmar, 25.09.09
Leitura com particular utilidade em vésperas de eleições
«O iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo.
A preguiça e a cobardia são causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio, continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores.
É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide a dieta, então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a maioria dos homens considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de boa vontade tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de, primeiro, terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.
É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que se lhe tornou / quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer uma tal tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional ou, antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado a este movimento livre. São pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à menoridade e iniciar então um andamento seguro.
(…) Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que liberdade; e claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Mas agora ouço gritar de todos os lados: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita!
(…) Mas qual é a restrição que se opõe ao iluminismo? Qual a restrição que não o impede, mas antes o fomenta? Respondo: o uso público da nossa razão deve sempre ser livre e só ele pode levar a cabo a ilustração entre os homens; o uso privado da razão pode, porém, muitas vezes coarctar – se fortemente sem que, no entanto, se impeça por isso notavelmente o progresso da ilustração.»
Kant. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos