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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Andar 2024

Avatar do autor julmar, 31.12.24

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Não sou de medir otimismos e pessimismos com copos meio cheios ou meio vazios. Meios copos cheios, são cheios de quê? Copos grandes, pequenos... os melhores são mesmo aqueles que nos embriagam. Caminhar, caminhar todos os dias, antes do nascer do sol, ver a aurora - de preferência a minha Bela Aurora Raiana. Nesse tempo matinal todo o mundo me pertence. O andar continua a ensinar-me a humildade, a coragem e a persistência de que vou precisar para os 365 dias que tenho pela frente.

Andar e filosofar combinam bem. Ao que sei a melhor das filosofias é a dos filósofos que estão em movimento do corpo e do espírito. Heraclito colocava o movimento no íntimo da natureza; Sócrates ia para a ágora interrogar os atenienses; Aristóteles ficou conhecido como o Peripatético por dar as suas lições a passear sugerindo que o movimento físico era intrinsecamente ligado ao movimento do pensamento. A caminhada, nesse contexto,  tornava-se um espaço para a reflexão e para o cultivo da mente. Kant começava, como eu, o dia com um passeio matinal.

Desde a antiguidade, o caminhar tem sido associado a um processo não apenas físico, mas também profundamente espiritual e filosófico. 

Friedrich Nietzsche, na sua obra "Ecce Homo", defendeu que os grandes pensamentos vêm à mente enquanto caminhamos:
"Apenas os pensamentos que vêm andando têm valor."
Para Nietzsche, o ato de caminhar era essencial para romper com as limitações impostas pela imobilidade e para abrir a mente a novas perspectivas.

Jean-Jacques Rousseau, outro pensador que exaltou os benefícios do caminhar, afirmou:
"Nunca meditei tanto, nunca fui tão eu mesmo como em minhas caminhadas solitárias."
Para Rousseau, o caminhar solitário era um meio de se reconectar consigo mesmo e com a natureza, propiciando um equilíbrio entre corpo e espírito.

Henry David Thoreau, autor de "Caminhando", celebrava o ato de caminhar como uma prática quase sagrada:
"Eu creio em pé firme que a natureza é mais vigorosa e saudável exatamente quando deixamos nossas preocupações para trás e saímos a caminhar livremente."
Ele via no caminhar uma forma de purificar a alma e escapar das distrações do cotidiano.

Mais recentemente, Rebecca Solnit, em seu livro "A História do Caminhar", explora como o ato de caminhar nos pode proporcionar tanto clareza mental quanto liberdade espiritual. Para ela, o caminhar é uma prática de reconexão com o mundo à nossa volta e uma resistência ao ritmo frenético da modernidade.

Portanto, o exercício físico e, em especial, o caminhar, transcende o benefício meramente físico. É uma prática que, desde os filósofos da antiguidade até os pensadores contemporâneos, tem sido vista como uma forma de integrar corpo e mente, revitalizando o espírito e promovendo um estado de harmonia interior. O caminhar, mais do que um simples movimento, é um convite à contemplação, à introspecção e à liberdade.

Amanhã será a primeira caminhada de 2025. Temperatura pevista -3º

Homenageando Jimmy Carter

Avatar do autor julmar, 31.12.24

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Só depois de ter deixado de ser professor de filosofia, profissão que exerci com entusiasmo, no sentido etimológico do termo tal como convém à matéria em causa, passei a ser filósofo a tempo inteiro, delegando alguns assuntos práticos em amigos como o Hortênsio e o Julião e, mais recentemente, na minha amiga Juli@. Daí que só a partir de 2013 o tempo me chegou para não ler apenas, mas para poder escrever sobre o que lia. E indo ao meu Badameco, na lista aí publicada de livros referentes ao ano 2012 lá encontrei o livro aqui retratado: https://badameco.blogs.sapo.pt/leitura-de-2014-diz-me-o-que-les-191988. 

Depois dele na presidência  veio o conservador republicano R. Reagan,  o Bush pai e o Bush filho que nos meteram nos lamaceiros do Iraque  e do Afeganistão conseguindo traçar as linhas dum futuro de mau augúrio que é o que estamos a viver. Jimmy Carter, ao contrário destes, ficará para a História como um lutador pela paz. O meu reconhecimento, a minha homenagem.

 

Visitar amigos e outros contos - Luísa Costa Gomes

Avatar do autor julmar, 26.12.24

 

Visitar Amigos e Outros Contos

 
Sim, creio não ser por acaso que foi este o título que a autora escolheu como título, o mais literário e que termina assim:
“Apanho um voo noturno. No aeroporto, na fila, à porta do voo, nos atrasos do voo, sorrio a tudo. O caminho para casa tem destes escolhos. Depois do jantar, no avião, enquanto eles dormem, subo discretamente a persiana. Espreito a noite e sou avassalada. Colo o nariz ao vidro da janela e esforço os olhos para verem o mais que podem. O bafo embacia vidro, limpo-o com a mão, ele embacia-se de novo. Acabo por suster o fôlego. É sem respirar que admiro e desejo essas estrelas, ordem e ornamento da Terra. Siderada, estou na outra imensidão. Entre o embaciar e o desembaciar do vidro da janela, peço aos olhos que vejam o mais que podem e eles, amigos, recolhem a luz de todas as coisas apagadas” página 215

O menino Jesus

Avatar do autor julmar, 21.12.24

A joyful child running barefoot in a lush green field, surrounded by wildflowers and under a bright blue sky with a few white clouds. The child is laughing, with arms outstretched, symbolizing freedom and innocence. The setting evokes a peaceful rural environment, with distant trees and a sense of simplicity and nature.

Num meio-dia de fim de primavera
Eu tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.

No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.

Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.

E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.

Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria gasta os eternos joelhos
A rezar por ele e não lhe atende.

Ele vive comigo na minha casa a meio do outeiro.
É uma criança risonha e natural.
Dorme de tarde e brinca de manhã.
E à noite deita-se na minha cama,
Dentro dos meus lençóis,
Todo sujo de terra,
A cheirar a erva e a água das valas.
Dorme como um cão que me conhece,
E a minha alma fica contente.
E a minha vida fica natural.
A certa altura ele adormece
E eu cubro-o com o cobertor e durmo também.

 

Heresia, um livro proibido

Avatar do autor julmar, 09.12.24

Heresia Jesus Cristo e os Outros Filhos de Deus - 1

Heresia seria um livro proibido se a Igreja ainda dispusesse do Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos), uma lista oficial de obras consideradas heréticas, imorais ou contrárias à fé católica pela Igreja Católica. Criado em 1559 pelo Papa Paulo IV e abolido em 1966, o índice tinha como objetivo proteger a doutrina católica, proibindo a leitura e a posse desses livros pelos fiéis. Incluía autores como Galileu, Lutero e Descartes, entre outros. E eu, leitor e divulgador, estaria ameaçado, sofreria tortura e queimado o livro, poderia ter igual destino. Desde o princípio a Igreja usou todos os meios para calar, apagar e destruir todas as histórias que divergissem da sua, a única verdadeira. 

O livro oferece uma análise crítica e provocativa sobre o impacto do cristianismo nos últimos séculos do Império Romano. A autora explora como o advento da religião cristã alterou drasticamente a cultura clássica, muitas vezes por meio da violência, censura e destruição sistemática do conhecimento e das práticas pagãs.

A narrativa aborda episódios como a queima de templos, a destruição de bibliotecas e a perseguição de filósofos e intelectuais que resistiam à nova ordem religiosa. Nixey argumenta que, ao contrário da visão tradicional de que o cristianismo trouxe luz a uma era de trevas, ele também contribuiu para a extinção de valiosas tradições culturais, artísticas e intelectuais do mundo greco-romano.

Com base em fontes históricas e relatos de testemunhas, o livro apresenta uma perspectiva desafiadora sobre o papel do cristianismo na transição do mundo antigo para a Idade Média. A obra é tanto uma investigação histórica quanto uma reflexão sobre como narrativas dominantes moldam a história.

Aranhas

Avatar do autor julmar, 08.12.24

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A melhor das metáforas que utiliza a aranha e o seu trabalho é de Francis Bacon que compara o tabalho do investigador com o trabalho da abelha, em contraposição ao trabalho da formiga e da aranha. Na verdade, qualquer um dos trabalhos, dos citados bichos, é admirável. No entanto, por mor dos meus passeios matinais, antes do nascer do sol, deparo com belíssimas teias que se não serve de modelo aos filósofos, poderá inspirar os artistas. Hoje, numa leitura que cita Santo Agostinho, também ele aparece a utlilizar o trabalho da aranha, para depreciar o trabalho do investigador:

"É para satisfazer esta curiosidade pouco saudável que ...os homens são levados a indagar acerca dos sgredos da natureza, que são irrelevantes para s nossas vidas." Santo Agostinho Confissões, X.35.

Pedi à minha amiga Júli@ - tão amável, tão pronta, tão eficiente e paciente e, já agora tão inteligente - que me desse uma lista de filósofos que tenham usado o trabalho da ranha como metáfora. E, disse-me assim:

1. Aristóteles

  • Metáfora: Aristóteles descreveu a aranha no contexto da sua abordagem sobre o movimento e a vida animal.
  • Síntese: No De Partibus Animalium, ele considerou a aranha um exemplo de artesão natural, destacando a sua habilidade em criar redes como um instinto inato, demonstrando como a natureza é capaz de produzir obras de arte de forma instintiva.

2. Francis Bacon

  • Metáfora: Comparou a aranha ao conhecimento especulativo no Novum Organum (1620).
  • Síntese: Bacon criticava os pensadores que, como as aranhas, criam suas teorias a partir de si mesmos, sem recorrer à experiência ou à observação externa. Ele propôs que o método científico deveria equilibrar a teorização e a coleta de dados experimentais, ao contrário do pensamento "teia-de-aranha".

3. René Descartes

  • Metáfora: A aranha como símbolo do controle centralizado.
  • Síntese: Em seus escritos sobre fisiologia, Descartes descreveu como a aranha sente vibrações em sua teia, comparando isso ao sistema nervoso humano, com o cérebro agindo como um ponto central de comando.

4. Karl Marx

  • Metáfora: Comparou o trabalho da aranha ao do arquiteto.
  • Síntese: No O Capital, Marx argumenta que, enquanto a aranha cria sua teia instintivamente, o arquiteto concebe mentalmente o que deseja construir antes de agir. Essa metáfora foi usada para ilustrar a distinção entre o trabalho humano consciente e o trabalho animal instintivo.

5. Jorge Luis Borges

  • Metáfora: A aranha como símbolo do criador universal.
  • Síntese: Borges frequentemente usava a aranha em suas obras para explorar temas como o labirinto, o infinito e a criação artística. Em poemas como "Aranha", ele reflete sobre a solidão e o poder criativo do ser humano, simbolizado pela aranha tecendo sua teia.

6. Friedrich Nietzsche

  • Metáfora: A aranha como símbolo de ressentimento e autopiedade.
  • Síntese: Em Genealogia da Moral, Nietzsche critica os indivíduos que, como aranhas, acumulam ressentimentos e criam redes de moralidade e valores reativos, presos a sua própria incapacidade de criar algo novo.

7. Martin Heidegger

  • Metáfora: A aranha como exemplo de interação com o mundo.
  • Síntese: Heidegger menciona a aranha no contexto de sua teoria do Ser e da ferramenta, sugerindo que a teia reflete a forma como os seres interagem e se conectam ao mundo ao seu redor, exemplificando o conceito de Dasein.

8. Gilles Deleuze e Félix Guattari

  • Metáfora: A teia como rizoma ou conectividade.
  • Síntese: Em Mil Platôs, usaram a teia da aranha como contraste ao rizoma, que se desenvolve de maneira não hierárquica e não linear, diferentemente da estrutura centralizada da aranha.
E por que sabia que Espinosa também a tinha uliizado lhe perguntei se  também se às aranhas.

Sim, Espinosa também faz referência às aranhas em seus escritos, particularmente em uma metáfora que aparece em suas Cartas. Ele compara o comportamento humano em relação às paixões à maneira como as aranhas se enredam em suas próprias teias.Metáfora em Espinosa

  • Fonte: Correspondência com Oldenburg (em uma das cartas).
  • Contexto: Espinosa argumenta que muitos seres humanos são como aranhas que, ao criarem suas teias, acabam ficando presas nelas. Da mesma forma, os homens criam ideias, desejos e paixões que se voltam contra eles, aprisionando-os.
  • Interpretação: Essa metáfora reflete sua visão sobre a condição humana e as paixões. Ele sugere que a liberdade humana reside em superar essa "prisão" emocional e intelectual por meio do conhecimento racional e da compreensão das leis da natureza, evitando a escravidão às paixões.
No caso de F. Bacon é possível apresentar um excerto em que na construção do conhecimento apresenta a abelha, a formiga e a aranha?

Sim, Francis Bacon faz essa famosa comparação no Novum Organum (1620), ao discutir diferentes abordagens para a construção do conhecimento humano. Ele apresenta a aranha, a formiga e a abelha como metáforas para três tipos de intelecto e métodos. Eis o excerto relevante:

“Os homens de ciência têm seus métodos característicos: os que seguem o método das formigas apenas recolhem e utilizam; os que seguem o método das aranhas criam teias a partir de si mesmos; mas o método da abelha é o melhor, pois ela extrai matéria das flores do campo e do jardim, e a transforma e digere por uma virtude própria. Nem a experiência isolada, nem a especulação abstrata, mas uma mistura das duas é o caminho verdadeiro.” (Novum Organum, Livro I, Aforismo XCV).

Interpretação:

  1. Formiga: Representa aqueles que coletam dados e fatos (empirismo puro), mas não os transformam em conhecimento mais profundo.
  2. Aranha: Simboliza os que, como racionalistas extremos, criam teorias apenas a partir da mente, sem base empírica.
  3. Abelha: Combina coleta de dados do mundo (como a formiga) e síntese criativa (como a aranha), representando o ideal científico de Bacon.

Bacon defende o método científico experimental, que une observação prática e raciocínio lógico, como o trabalho produtivo da abelha. Este excerto ilustra sua crítica aos extremos do empirismo e do racionalismo.