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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Tempus fugit

Avatar do autor julmar, 25.03.24

badameco | Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa

O Badameco fez anos, o Badameco fez 18 anos, o Badameco atingiu a maioridade, o Badameco está, pois, de parabéns. A verdade incomodativa é que o Badameco não consegue responder a questões simples: Quem sou? Ou o que sou? 

Saber a razão do meu nome é já saber alguma coisa. 

O que encontrei não é propriamente elogioso. Mas habituei-me a ver mais além, para lá do olhar comum. E, assim, descobri que o meu padrinho foi um grande filósofo humanista, M. Montaigne (1533-1592). Filho de família rica e nobre, criado pela ama de leite numa casa de camponeses e dois anos depois retornou para a família e recebeu esmerad educação clássica, tendo contatado com personalidades ilustres da época apreciando, sobretudo, aquelas que como ele estimavam questionar-se sobre questões simples e incómodas como o seu amigo (quem se lembra hoje dele?), o filósofo La Boetie. Ora, o meu padrinho não escreveu para ensinar ninguém, nem para expor qualquer doutrina ( para guerras já chegavam as que havia, nomeadamente as que opunham católicos e protestantes que esgotados os argumentos da razão desembainhavam as espadas), mas para se instruir a si próprio. Por, isso inaugurou uma nova modalidade literária designada por "Ensaios". Ora, o olhar em volta (em vez de procurar nos livros antigos), o refletir e pensar por si, levou-o à construção de um novo método e de um novo saber. Observar, tomar nota, reflectir e escrever. Por isso, como auxiliar de memória trazia sempre consigo um caderninho para anotar, um vade mecum, um badameco que haveria de ser o precioso instrumento de construção dos famosos "Ensaios".

A obra não criou nenhum sistema filosófico, foi uma tentativa de aprender sobre si mesmo e os próprios sentimentos, como ele afirmou: "Eu sou eu mesmo o tema do meu livro".

Voltando a mim, humílimo Badameco, nasci em 17-03-2006, pela pena (pois! isso já não existe!) deste que vos dá os parabéns. Dezoito anos no reino dos blogs é uma longevidade extraordinária e esta é a milésima centésima primeira vez que a vós me dirijo (1141 posts).

Misericórdia

Avatar do autor julmar, 23.03.24

Misericórdia de Lídia Jorge - Livro - WOOK

Para mim uma leitura é uma conversa com o seu autor. A tendência nas leituras, como no resto da vida, é irmos para junto dos que conhecemos. Temos a segurança, sabemos o que vamos encontrar, sabemos que não perdemos tempo. Não teremos surpresas mas também não sofreremos decepções. Desta vez o encontro é com Lídia Jorge, com quem já 'namorara', pois ali a piscar-me o olho está 'A Costa dos Murmúrios' agora ultrapassada por ´Misericórdia' .  A nossa conversa com os autores torna-se cada vez mais interssante à medida que a conversa avança e encontramos um chão comum, um olhar que nos enriquece, reflexões que já fizemos, modos de olhar o mundo e a vida. A autora é quatro anos mais velha do que eu, por isso, vivemos com proximidade os mesmos acontecimentos; a ela valeu-lhe, como a mim,  para conseguir tirar uma licenciatura uma Bolsa de Estudo da Fundação Caloute Gulbenkian; a Lídia, como eu, é filha de pais agricultores e sabemos, portanto, o que é a terra, as sementeiras, o cuidar das plantas e animais, viver a vida agarrado à vida; eu como a autora fui professor do ensino secundário (ocasionalmente do ensino superior); a mãe da Lídia é Maria dos Remédios e a minha é Maria da Graça. Também , e talvez esse tenha sido a razão decisiva que me conduziu a esta leitura, a minha mãe passou os últimos anos da sua vida num lar e nunca esquecerei o dia em que a fui lá levar e me dei conta da gravidade do momento. De regresso a casa, chorei. Também a minha mãe, dispensada agora de cuidar dos outros e de si, para além das rendas, lia, lia muito e até arriscava escrever. E passados já os noventa anos leu 'Os Maias' , mostrando-se muito incomodada com o incesto narrado na obra. A minha conversa com Lídia Jorge, ainda quase no princípio, promete durar.  Por causa da forma, do conteúdo e da inspiração. Eu que presto homenagem ao deus das pequenas coisas e dou importância ao Zé Ninguém, delicio-me com textos como este:

Tal como eu imaginava, percebi que ela queria evitar a questão, mas eu disse-lhe de imediato - “Personagens importantes, gente honrada, figuras que mal ou bem, lá onde colocavam os pés criavam um factos relevantes, faziam um história. Mas não é o teu caso. Os teus livros são o oposto. No conjunto, os teus livros são um vale escavado num deserto repleto de gente pobre . Rotos, descalços, abandonados, loucos, emigrados sem eira nem beira, imigrantes sem lugar onde cair mortos, raparigas feias que todos enjeitam, pelintras de todo jeito, gente assassinada, gente que se atira à água para morrer, para o destino, em troca, lhes salvar os filhos, gente sem religião, sem abrigo, sem pátria, sem casa, sem modos nem figura. E eu só me pergunto porque te sentes atraída por esse tipo de criaturas. Figuras que não se levantou do chão. Miseráveis dentre os miseráveis. Ora diz-me, quem gosta de lidar com a vida dos miseráveis? Os teus personagens parecem os rapazes que São Francisco de Assis visitava. Se ao menos escrevesses sobre São Francisco, mas não, tu escreves sobre os pobres de quem ninguém conhece o nome. Como tua mãe, pergunto-me por que escreves sobre esse tipo de figuras e não sobre as outras, as que vencem, as que ficam, mas toda a gente já conhece, os fortes, os bons, os heróis, os santos, os válidos…” Página 111

 

Exílio.

Este é o meu lugar de exílio. Aqui, me depositaram a meu pedido e por minha livre vontade, vinda da casa dos meus pais, e onde não mais voltarei, também por minha livre determinação. A vida é um arco, tem o seu começo e o seu fim, inicia-se num berço, faz o seu voo ascendente, e a partir de certa altura a curva desce até nos entregarmos à terra, de novo dentro de uma caixa de madeira que em nada difere de um berço.

 É nesta descida que me encontro, nada tenho que me queixar. Recuso o lamento, repudio a contemplação da doença e condeno o prolongamento da vida para além dos seus limites. O que não quer dizer que não sofra. Há muito que cheguei à conclusão de que faz parte da descida do arco da vida lidar com o sofrimento. Há anos que mal caminho dando passos oscilantes, ou mesmo não caminhando de todo, como acontece maior parte dos dias e das noites, desde que aqui cheguei, paralisada, e a sensação que tenho, como acabei de dizer, é de exílio. Mas, ainda assim, recorro à memória para sair destes muros e triunfar sobre o meu estado de reclusa.

Pg119

Das minhas leituras

Avatar do autor julmar, 14.03.24

A Cultura como Enigma de Guilherme d'Oliveira Martins - Livro - WOOK

"Cuidar do que é próprio, do nosso jardim,  significa entender o essencial de quem somos, na luz e na sombra “ Voltaire

Guilherme Oliveira Martins é, sem dúvida dos homens mais cultos do nosso tempo. Nasceu entre livros e continuou toda a sua vida a ler. Boa parte desta obra é de livros  e do exercício da leitura que fala porque só pela escrita podemos falar de tudo: da arte, da filosofia, da religião, do que aconteceu, dos deuses e dos homens, do corpo e do espírito, deste mundo e do outro. Que seríamos nós sem os livros? Que seria o nosso país sem a escrita de Fernão Lopes, de Camões, de  Vieira,  de Pessoa, de Eça ou de Saramago e de todos que criatura a literatura portuguesa? A cultura é feita por todos os que nela participam como produtores/consumidores mas são aqueles que se entregam à sua criação que a inovam e sustentam. Além, do usufruto das obras, Oliveira Martins teve e tem o privilégio de conhecer e conversar com muitos dos principais artistas, escritores, historiadores, políticos contemporâneos. Daí resulta esta obra que expressa uma mundividência do nosso tempo num enciclopedismo integrador e crítico. E não é um livro que trate com indiferença a cultura. Antes pelo contrário, todo ele  é um apelo aos valores fundamentais à construção de uma comunidade mais igualitária, mais democrática, mais livre.

Retalhos

“ Há 30 anos nós tínhamos um programa para sair da ruralidade da escola. Aconteceu que, entretanto, o mundo tecnológico veio contrariar esse projeto. Está provado que os países que têm menos tradição letrado e cultural incorporam acriticamente a informação, tendo uma noção de vanguarda- porque é muito fácil uma pessoa quase analfabeta manejar com muita facilidade todos os gadgets -e transitaram de uma cultura iletrada para uma cultura tecnológica, sem passagem pelo filtro civilizantr. Foi o caso da sociedade portuguesa, que não tinha suficientes hábitos de leitura, de crítica, de liberdade ou de ousadia da expressão do pensamento para o evitar (entrevista, revista ler, Inverno de 2022)
Pg 155 

Ruskin afirmou: “As grandes nações escrevem as suas autobiográficas em três manuscritos, o livro dos seus fatos,o livro das suas palavras e o livro da sua arte. Nenhum deles pode ser compreendido sem ler os outros dois, mas dos três o único de confiança é o último “ pg 197

Sobre o tratado de Alcanizes diz- nos Guilherme de Oliveira Martins no seu livro  A cultura como enigma, o seguinte:
É certo que a exiguidade do território condicionou sempre a demografia, com uma população escassa e o mercado interno exíguo, com a natureza enrugada do território a dissuadir aventuras militares externas. Com pouca terra e muito mar, sol e sal, carências e abundâncias, falta de trigo, exportação de mel, vinho, azeite e cortiça, além da importância das ilhas atlânticas, que evitaram que Portugal ficasse cercado e dependente de potências mais poderosas para navegar pelos mares, a fronteira antiga de Alcanizes corresponde a uma longa estabilidade territorial-pois, como disse Zurara, “de uma parte nos cerca o mar e de outra temos muro no Reino de Castela.“
 pg 219
As palavras perdidas 
“Todos os dias se ganham novas palavras, enquanto outras levam sumiço. Quando se fala de património cultural imaterial é o mundo das palavras um dos que mais importa. A língua é uma realidade vida que nos interpela, não como gramática mas  como pessoas que precisam de comunicar, usando a tradição e a criatividade”
 pg 220
O que resta das coisas 
“As coisas são ‘pequenos restos da história individual e coletiva, mesmo que o tempo real as torne difíceis de compreender em todas as significações “
Assim se definem as coisas na exposição do Museu do Louvre que as leva como tema”
pg 221
“Falar falar em primeira pessoa requer audácia . Mas é uma opção natural. Enquanto falo por mim, incorporo os demais na minha genealogia. Não ando sozinha pelo mundo.“
Pg 226
 

Era assim que me queriam

Avatar do autor julmar, 12.03.24

Era assim que me queriam mas eu fiz-lhe o manguito, desobedeci como Eva desobedeceu. Como podia uma criança saber que todas as doutrinas são falsas? Mas sim, por aqui ganhei o gosto pela leitura e pela escrita e, assim capacitado pude ler centenas, milhares de livros. O mais importante não é o que nos ensinam mas o que nós aprendemos. Conservo com especial carinho muitos desses livros, entre eles, uma utilíssima gramática (como é que alguém pode gostar de gramática?) de um coautor deste livro, J.Nunes de Figueiredo. Crianças, começávamos, assim:

Este livro vou assinar
Aquele que o encontrar
Se seu nome quiser honrar
Já sabe a quem o entregar
 
Era assim quando andávamos a estudar. Os livros eram o meio de aceder à cultura, eram as portas que nos abriam o mundo e eram o elevador social. No início do ano letivo, Comprados os livros a primeira coisa a fazer com eles era colocar o nome no princípio e, de seguida, encapá-los.

As manhãs são feitas dos sonhos das noites

Avatar do autor julmar, 05.03.24

portugal e o futuro ASS posse 1.jpg

Hoje à procura de um outro livro, tropecei neste e vieram-me à memória coisas de há cinquenta anos. Sei onde comprei o livro, lembro-me como o devorei de um dia para o outro, com quem discuti as questões que o livro levantava, numa altura que tínhamos de nos certificar com quem falávamos e de quem nos podia ouvir. Pairava no ar que algo ia acontecer, e aconteceu mesmo: O 25 de Abril!
E numa folhinha escrevinhada à mão, entre apontamentos e reflexões, não sei se minha ou colhida de outrem, a frase:
"As manhãs são feitas dos sonhos da noite"

"Livro publicado pela Editora Arcádia no dia 22 de Fevereiro de 1974 pelo general António de Spínola.
Nesse livro, o ex-governador da Guiné-Bissau advogava, após 13 anos de Guerra do Ultramar, uma solução política e não militar como sendo a única saída para o conflito.
As acções do governo marcelista, a demissão dos generais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes dos cargos que ocupavam no Estado-Maior General das Forças Armadas, e a organização de cerimónia de apoio ao regime, a Brigada do Reumático, dado ser maioritariamente constituída por idosos oficiais-generais dos três ramos das Forças Armadas, vieram ainda mais mostrar quanto o regime se sentia ameaçado pelas ideias contidas no livro".