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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Os meus amigos não morrem

Avatar do autor julmar, 30.10.23

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Decorreu no dia 28 de Outubro uma tertúlia na Biblioteca de Vale Cambra com a presença do presidente da Câmara e da vereadora da cultura com muitos amigos do Alberto que encheram a sala e quiseram dar o seu testemunho sobre o amigo, o poeta, o dramaturgo, o ator, o encenador, o professor, o cidadão. Eu que já havia feito, faz algum tempo,  a apresentação do livro com duas peças de teatro «Volfrâmio:' Suor o deu, miséria o levou' e Cambra na Diáspora», aproveitei para apresentar a face boémia do Alberto com um texto que já havia havia publicado neste blog. E também quis mostrar como os amigos não morrem, como provava o fato de nós ali estarmos por ele e com ele. Na minha aldeia, espelho de tantas outras, sempre que alguém se referia a um ente querido falecido acrescentava a expressão 'no céu esteja'; outros, com menos certezas, acrescentam a expressão 'estejas onde estiveres'. Ora, eu, que não creio na ressurreição da carne, sei onde encontro os entes queridos, entre eles, o Alberto: no coração, esse céu que construímos na terra onde mora o amor, a bondade, a sinceridade e tudo quanto de bom e de belo nos liga uns aos outros. Ao Alberto assentam por inteiro os versos de Florbela Espanca:

"Ser poeta é ser mais alto, é ser maior que os homens

É ter fome, é ter sede de infinito.

É condensar o mundo num só grito"

Honra-me, que à entrada da exposição sobre a vida e obra do Alberto Bastos, que decorreu nesta biblioteca, por baixo do seu retrato, se encontre um pequeno excerto, que nos torna presente a 'anima' do Alberto. 

 

O Mar Negro

Avatar do autor julmar, 20.10.23

O Mar Negro - De Péricles a Putin

Parte 1
Quando ainda não era nada perguntavam- me o que queria  ser quando fosse grande e eu respondia que queria ser músico. Com efeito, todos os anos pela festa da aldeia aparecia um autocarro com  quarenta ou mais homens (as mulheres na banda haviam de aparecer mais tarde) munidos do respetivo instrumental (Bombo, pandaretas, pratos, trombones, trompetes, clarinetes, saxofones ...), todos alinhados de farda, obedecendo aos gestos do maestro e caminhando  em fila pelas ruas da vila, produziam em mim um sentimento que me enchia a alma. Eu queria fazer parte de um mundo assim. Imaginava eu que o mundo daquelas personagens era só feito de festas. E, claro não fui músico. Hoje, gostaria de ter sido arqueólogo (tantas outras coisas que gostaria de ter sido, mas só vivemos uma vida) como o autor deste livro. Até hoje vivi centrado no Mediterrâneo como berço da civilização.
Parte 2
Depois de ler este livro ( uma leitura lenta e atenta) fiquei apaixonado pelo Mar Negro, não enquanto massa de água, mas enquanto bacia onde rios e povos iam dar. E a história é sempre igual feita de paz e feita de guerra. As migrações são tão velhas como a humanidade.
O livro começa com a Crimeia
“A grande verdade sobre a Crimeia - que ela pertence a todos e não é de ninguém- só seria violada nos tempos mais recentes. Três dessas violações, que seriam simplesmente absurdas se não implicassem tanto sangue e sofrimento, são declarações de outros tantos autocratas. Em 1783, Catarina II (A grande) proclamou que a península da Crimeia haveria de ser, a partir de então e para todo o sempre, russa. Em 1954, a tentativa de fazer o povo esquecer o seus males, Nikita Khrushchev anunciou que transferia a Crimeia da Rússia para a Ucrânia, para que se tornasse ucraniana para todo o sempre. E em 2014, Vladimir Putin disse ao mundo que a Crimeia seria arrancada à Ucrânia para ser, mais uma vez, russa para todo sempre.” Pg 50
 
E quanto à História
“A história - o produto, não a matéria prima - é uma garrafa com rótulo. Durante muitos anos, a ênfase da discussão histórica tem sido colocada no rótulo (iconografia, os seus destinatários) e nos interessantes problemas do fabrico do vidro. Os conteúdos, por outro lado, são saboreados de uma forma conhecedora e funcional, e cuspidos novamente. Só os amadores os engolem“ página 277
 
Parte 3
Perguntei à minha amiga JúlIA: - Que interrogações nos pode suscitar a leitura deste livro? 
E respondeu assim:
  1. Qual é a importância histórica e cultural do Mar Negro ao longo dos séculos e como isso afetou as civilizações que o cercam?

  2. Como as tensões políticas e conflitos na região do Mar Negro influenciaram a história global, especialmente durante os períodos de guerra e turbulência?

  3. Qual é o papel da Rússia na região do Mar Negro ao longo da história, e como isso impacta as relações internacionais contemporâneas?

  4. Como as mudanças políticas na região, incluindo a dissolução da União Soviética, afetaram a dinâmica da região do Mar Negro?

  5. Como as questões étnicas e culturais desempenharam um papel na configuração da região e na formação de identidades locais?

  6. Como as questões ambientais, como a poluição e a pesca excessiva, afetaram o ecossistema do Mar Negro e a vida das comunidades locais?

  7. Como a economia da região do Mar Negro evoluiu ao longo do tempo e quais são os desafios econômicos que a região enfrenta atualmente?

  8. Qual é o papel da Turquia na região do Mar Negro e como as políticas turcas afetaram as dinâmicas regionais?

  9. Como a geopolítica global, incluindo o envolvimento dos Estados Unidos e da União Europeia, influencia a região do Mar Negro?

  10. Qual é o potencial futuro da região do Mar Negro em termos de cooperação regional, resolução de conflitos e desenvolvimento sustentável?

Essas são apenas algumas das interrogações que podem surgir ao ler o livro de Neal Ascherson, que oferece uma visão abrangente dessa região complexa e historicamente rica. A obra pode servir como ponto de partida para uma compreensão mais profunda da região do Mar Negro e de seu impacto no cenário global.

 

A ordem é a alma das coisas

Avatar do autor julmar, 20.10.23

Antes de descobrir outras filosofias, naveguei pela Escolástica. Sem arrependimento. Seria muito triste ter ficado por lá. 

"Se procurarmos o que é que conserva no seu ser o universo, juntamente com todas as coisas particulares, verificamos que não é senão a ordem, a qual é a disposição das coisas anteriores e posteriores, maiores e menores, semelhantes e dissemelhantes, consoante o lugar e o tempo, o número, as dimensões e o peso devido e conveniente a cada uma delas. Por isso, alguém disse, com elegância e verdade, que a ordem é a alma das coisas. Com efeito. Tudo aquilo que é ordenado, durante todo o tempo em que conserva a ordem, conserva o estado e a sua integridade; se se afasta da ordem, debilita-se, vacila, cambaleia e cai. O que é evidente por toda a espécie de exemplos tirados de toda a natureza e de toda a arte."

 "Summa Contra Gentiles" ("Suma contra os Gentios" em português), capítulo 25, Livro II, . Esta obra é uma das principais obras filosóficas e teológicas de São Tomás e foi escrita no século XIII como uma defesa do cristianismo e uma exploração de questões filosóficas e teológicas. 

 

Coisas que vão ficando para trás - Eduardo Lourenço

Avatar do autor julmar, 16.10.23

Eduardo Lourenço – Wikipédia, a enciclopédia livre

A remexer no baú das reflexões do passado. Hoje como ontem.

Bom seria que os políticos portugueses lessem mais Eduardo Lourenço. É seguramente uma das vozes mais autorizadas da nossa história e da nossa cultura. Mas nós queremos discursos fáceis e soluções simples.

Em artigo publicado na revista Visão ‘Entre Céu e Terra’ alerta para o grande perigo actual que consiste na anestesia geral perante o terror, a tortura, a fome, a dor e a normalidade com que se aceitam os erros do homem mais poderoso do mundo.

«Já ninguém se indigna quando o homem mais poderoso da Terra declara que iniciou uma guerra com um saldo de 30 mil mortos, por um erro de informação».

Então, somos todos estúpidos? Bush afirma que, ainda que o argumento esteja errado, a tese é verdadeira.

J. Marques

O meu primeiro dia de aulas

Avatar do autor julmar, 06.10.23

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(No Carnaval de 74, a turma do 5º ano com os professores, entre elesZé Fernando à frente e eu atrás) 

Faz Hoje cinquenta anos

Quem chega um lugar para ficar algum tempo, nunca sabe o que lhe vai acontecer. Não o sabia o Bacharel em Filosofia quando, no jardim central de Oliveira de Azemeis, entrou numa cabine telefónica - um paralelípede retangular levantado ao alto e pintado de vermelho - com uma lista de números, discou o número da Escola Técnica de Vale de Cambra. Do outro lado, que sim que havia um horário de Português na Escola Técnica e um de História na secção Liceal, que se estivesse interessado me despachasse. E logo me despachei na carreira do Caima, numa estrada desconhecida, entre passageiros desconhecidos, onde tudo o me esperava era desconhecido, até mesmo o ofício que ali me levava. Numa terra tão pequena tinha de perguntar onde é que era a escola, onde é que podia comer, onde poderia dormir. 

Antes de sair da camioneta, perguntei ao condutor onde ficava a escola. Vai até ali à avenida, e aponta com o dedo, vira à esquerda e vira à direita. Por sorte, o diretor, o Dr Vide estava à porta e ali me atendeu. - Tem aqui um horário de 12 horas de História da secção liceal (entregou-me a caderneta onde constavam 6 turmas  - 4 do 3º ano, 1 do 4º e 1 do 5º). De seguida: - Tem aqui um horário( noturno)  de Português da Escola Técnica com 17 horas.  

Eu, na verdade, queria dar aulas, mas pareceram-me  aulas a mais e disse: - Sr Diretor, eu sou apenas Bacharel e pretendo tirar a licenciatura pelo que gostaria de ficar apenas com um dos horários. Não era fácil arranjar professores habilitados e não quis mais conversa. Com umas palmadinhas nas costas: - Vai ver que vai ganhar aqui um bom dinheirinho! Mais umas instruções com enfâse para a avaliação e explicação de quantos testes (na altura eram pontos) haveria de dar e especificando o suporte em que os teria de fazer e como fazê-lo: o stencil, donde o empregado (o sr Joaquim) faria o número de exemplares necessários. Estava feita a minha formação de professor. Era hora de almoço. Fiquei sem apetite. Foi o princípio não apenas de uma carreira. O 25 de abril estava quase a chegar.

 

A terra dos compadres

Avatar do autor julmar, 02.10.23

O Compadrio em Portugal | Fundação Francisco Manuel dos Santos

Se houvesse censura, jamais um livro como este seria publicado. Não daria sequer para rasurar algum parágrafo como o que se segue. A obediência e a lealdade nunca foram para mim virtudes cardeais. O compadrio é intolerável em quaquer cidadão e, de modo especial, nos políticos que têm como função servir o bem comum.
O exemplo que se segue tem como personagens:
- Isaltino Morais, ex-presidiário, retornado à presidência da Câmara de Oeiras, após cumprimento de prisão por fraude fiscal, abuso de poder, corrupção e branqueamento de capitais. Um homem que prefere trabalhar à mesa nos restaurantes de boa comida e boa pinga.
 - Luís Marques Mendes, comentador efetivo da SIC (ele tem um sonho!), que nas suas homilias dominicais continua a fazer favores, a acusar os compadres que não sejam da sua família e que no aconselhamento de livros nunca se lembrou de recomendar este - O compadrio em Portugal. 
- Marcelo Rebelo de Sousa, o ex-comentador semanal, efetivo da TVI, o palco que o ajudou a chegar a Presidente da República para poder comentar, diariamente, em diversa horas do dia, tudo o que der na gana.
Todos na sombra do ex- presidente Cavaco Silva, homem tão sério que qualquer outro teria de nascer outra vez para alcançar tamanha seriedade. 
Luís Marques Mendes pediu-me para o receber e disse-me que a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da liderança do partido o tinha deixado de fora da lista para as europeias, em 1990, que antes julgada ser certa, tendo já contraído algumas despesas em Bruxelas. Percebi o seu nervosismo e não tive como não ajudar.
Fi-lo presidente da EIA ( a entidade instituidora e gestora da universidade Atlântica, de que a Câmara Municipal de Oeiras era acionista maioritária) quando, em 1999, me entrou no gabinete pedindo-me o cargo. (Morais, 215: 51).
Com este extrato não se creia que se trata de um ataque a qualquer partido ou ideologia. O compadrio é transversal a toda a sociedade.  É uma análise científica que nos deveria ajudar a combater esta "epidemia nacional" 

O efeito corrosivo da prevalência do compadrio no sentido comum do que é justo deve convocar-nos a uma profunda reflexão. Sobre esta epidemia nacional. Uma prevalência que mais não é do que um sintoma de um Estado de direito a falhar.

 Em suma, sabemos que o compadrio subverte a igualdade. Sabemos que a igualdade é uma das referências do que consideramos justo. E sabemos que há um desejo coletivo pelo que é justo. Nesse sentido, combater o compadrio é um dever de cidadania para todos aqueles que desejam construir em Portugal um verdadeiro Estado de direito e um país mais justo. Penso que não é pedir muito, sobretudo por parte de quem nasceu depois de abril?.(pg 112)