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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

A Estrada

Avatar do autor julmar, 20.06.23

O romance "Estrada"  é uma obra do autor norte-americano Cormac McCarthy, publicado em 2006. A história  passa-se num mundo pós-apocalíptico, no qual um pai e seu filho caminham por uma paisagem devastada e desolada, em busca de um local seguro e sobrevivendo em meio à escassez de alimentos e à ameaça constante de outros sobreviventes. A narrativa retrata a relação entre pai e filho, enquanto enfrentam os desafios do ambiente hostil e buscam manter a esperança no meio da desolação. "Estrada" é uma história tocante e intensa, que aborda temas como a humanidade, o amor, a sobrevivência e a natureza humana em face da adversidade. Uma ficção tão vizinha do que efetivamente nos pode acontecer.  

Naqueles primeiros anos, as estradas estavam cheias de refugiados. Amortalhados na sua roupas, usavam máscaras e óculos de proteção, sentados na berma com os seus andrajos no corpo, quais aviadores reduzidos à indigência. Traziam um carrinho de mão a abarrotar de bugigangas, puxavam carroças ou reboques. De olhos a brilhar no crânio. Carapaças de homens sem uma réstia de fé aos tropeções pelos viadutos, como bandos migratórios numa terra febril. A fragilidade de todas as coisas enfim revelada. Velhos dilemas inquietantes esvaziados de sentido, dando lugar ao nada e à noite. O derradeiro exemplo de uma coisa leva consigo toda a categoria. Apaga a luz e desaparece. Olha à tua volta. Nunca é imenso tempo. Mas uma coisa o rapaz sabia. Que nunca é apenas um breve instante.

 

A Ucrânia e a Rússia

Avatar do autor julmar, 16.06.23

A Ucrânia e a Rússia

Questionei-me, muitas vezes, por que razão na região de Ribacôa, que conheço passo, a passo, tinha havido, ao longo da História, um culto tão grande ao mártir S. Sebastião que se expressava nas solenes festas e procissões em vilas, aldeias e lugarejos em cujas igrejas não faltava altar do santo e, na maioria dos casos, dispunha mesmo de uma capela autónoma. Ora, se bem que que o cristianismo seja tido como uma religião monoteísta, a verdade é que, sobretudo na vertente católica, se aproxima muito do politeísmo. Não há atividade ou mal humano para o qual não exista um protetor, um padroeiro a quem se possa pedir que interceda para proteger o bem e esconjurar o mal. E que males há mais cruéis e mais constantes do que a fome, a peste e a guerra que, para serem mais fortes, ainda, andam de mãos dadas? Talvez, então, aí se encontre  a resposta à minha questão.

Da religião para a filosofia, várias vezes, durante a leitura do livro que acabei de ler me coloquei a pergunta se a guerra é inerente à natureza (ou à condição?) humana, para o que não faltam fortes argumentos. Lembrei-me, então, de uma leitura antiga  de um ensaio  de Immanuel Kant, filósofo alemão do século XVIII,  intitulado "Para a Paz Perpétua" ("Zum Ewigen Frieden"), onde discutiu suas ideias sobre a paz e a possibilidade de alcançar uma paz duradoura entre as nações. Segundo Kant, a paz perpétua não é apenas um ideal inatingível, mas um dever moral da humanidade. 

Kant argumentava que a paz não poderia ser alcançada simplesmente através de acordos temporários ou tréguas, mas sim por meio de uma estrutura política e jurídica internacional baseada em princípios morais e direito. Ele propôs três condições principais para alcançar a paz perpétua:

  1. O estabelecimento de uma república mundial: Kant defendia a ideia de uma federação de nações livres, nas quais governos democráticos e representativos se uniriam para resolver disputas pacificamente. Essa república mundial garantiria direitos humanos universais e estabeleceria uma ordem jurídica internacional.

  2. A promoção de princípios de direito internacional: Kant argumentava que os países deveriam ser regidos por leis internacionais justas e imparciais, em vez de dependerem apenas da força e do poder. Essas leis garantiriam a igualdade de tratamento entre as nações, a não interferência nos assuntos internos de outros países e a solução pacífica de conflitos.

  3. A abolição da guerra como instrumento de política: Kant via a guerra como uma violação dos princípios morais e argumentava que ela deveria ser substituída por meios pacíficos de resolução de conflitos. Ele acreditava que os governos deveriam renunciar ao uso da guerra como meio legítimo de alcançar objetivos políticos.E da filosofia para a história, se é que assim podemos chamar aos acontecimentos contemporâneos que nos entram casa adentro, pela televisão, durante todo o dia, todos os dias há mais de um ano e sem fim à vista. E, se a informação TV já deixa muito a desejar, quando se trata de guerra os enviesamentos ou deturpação é quase certa. Por isso, quem quiser saber mais e melhor terá que ler. O livro de D'Anieri vale a pena. Escolhi este pequeno extrato para mostrar como a solução para a paz não é simples. Para os apressados : leiam a conclusão do livro (pgs  411- 441)

 
Sergei Kortunov, conselheiro de Ieltsin, mostra que a ingerência ocidental é o único obstáculo a impedir a tendência natural para voltar a unir-se à Rússia:

A prioridade da política russa no âmbito da CEI vai para as relações com a Ucrânia. Vistas as coisas na sua devida dimensão, as nossas relações têm de ser relações de aliados; acresce que não existe no fundo obstáculo sérios - seja de natureza económica, cultural, civilizacional ou sequer militar ou política -ao desenvolvimento de uma tal aliança. O problema essencial, aqui, é um problema externo e resume-se aos esforços dos EUA e de outras grandes países para não permitirem a reunião da Rússia e da Ucrânia, facto que levaria à formação de um Estado. poderoso na Eurásia, quase da dimensão da antiga URSS. Por outro lado, sem uma estratégia com a Ucrânia, a Rússia não se transformaria numa potência genuína, genuinamente grande., merecedora do apreço, respeito e tratamento devidos a uma verdadeira potência no novo sistema de relações internacionais. O afastamento da Ucrânia, em relação à Rússia e a sua eventual passagem de Estado fraterno à condição de bom vizinho e, posteriormente, de mero Estado vizinho seria, para a Rússia, uma perda estratégica que nem o número de estações em Sebastopol, nem contratos de fornecimento conjunto lograriam compensar. (pg 116)

Planta Sapiens - Talvez a inteligência seja só uma

Avatar do autor julmar, 01.06.23

 Livro «Planta Sapiens », de Paco Calvo, Natalie Lawrence na livraria online da Presença. Desconto em todos os livros

Hortênsio é o meu mais velho amigo, tão velho que não tenho memória de não ser assim. Lembro-me dele numa manhã soalheira do mês de abril, pelo ano de 1955, no lugar das Entrevinhas, de olhar interrogativo a perguntar-se por que estaria a chorar uma vide que não parava de deitar lágrimas pela extremidade cortada. Nunca mais parou de se interrogar sobre o mundo vegetal e, ainda há dias, dei com ele a contemplar as gavinhas do xuxu, dos feijoeiros e dos pepineiros que, quais braços no ar, vão procurando onde se agarrar. Sem olhos acabam sempre por encontrar um apoio. Sem o seu deslumbramento pela natureza, pela inqietude de não saber, talvez nunca me interessase pela ciência e filosofia. Foi isso, que me levou a comprar o presente livro que, mal comecei a ler, despertou em mim todo esse passado ligado às plantas e às leituras, nomeadamente, de C. Darwin que o autor cita na pg 19:

O trabalho começa nas nossas mentes. Uma das mais poderosas ferramentas que Charles Darwin utilizou ao desenvolver a teoria da evolução pela seleção natural não foi um instrumento científico nem um qualquer espécime. Foi o movimento do seu corpo pelo espaço. Todos os dias, uma vez pela manhã e outra à tarde dava uma caminhada pelo Sand Walk, um trilho de gravilha que contornava a sua casa em Downe. Designava-o como “caminho do pensamento “. À chuva, ao sol ou debaixo da neve, Darwin refletia nas suas leituras, correspondência e experiências na companhia das plantas e dos animais que passavam por si. Foi um dos pensadores que utilizou o poder do movimento físico para fazer avançar a mente e ajudar ao desenvolvimento das ideias”.

Encontar uma passagem assim, foi como se  encontrasse uma justificação , para o meu ritual diário. Enquanto lia este livro ia entremeando com um outro "O que nos torna humanos", um livro diferente de todos os que já li, em que os autores (Thomas, Isain e Wang, Jasmine) colocam questões essenciais que o homem se coloca ao Chat GPT. Isso levou-me ao contemporâneo filósofo PierreTheiard Chardin (proibido pela Igreja de publicar os seus escritos por defender o evolucionismo) em que defendia que os difrentes estados evolutivos do cosmos terminariam na noosfera - um conceito que traduzia um cosmos inteligente. Ora, isto levou-me aos primeiros filósofos gregos que procuravam o elemento primordial de que todas ascoisas eram feitas (arquê), e ao filósofo Anaxágoras (499-428 a.C.) que defendia que as “sementes” de todas as coisas foram ordenadas por um princípio inteligente, uma Inteligência Cósmica (nous) que fornece as leis do pensamento  para conhecer e governar o universo.

Então, talvez, a camada profunda da psique, como afirmava C.G. Jung, não seja (ou não seja só) o Inconsciente Coletivo apenas da humanidade mas do cosmos. E, talvez, a videira que chorava não seja uma metáfora. E, se assim for, talvez, a inteligência artificial que, como a humana, não existe sem matéria, sejam feita do mesmo.