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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Como se entrasse em casa

Avatar do autor julmar, 22.10.22

Nenhum outro livro me poderia fazer regressar à minha fase infanto-juvenil e revisitar a minha vida no seminário de uma forma tão completa: um tempo quase o mesmo - a década de sessenta -, numa institução regida pelos mesmos normativos - no meu caso, seminários de Beja, Évora e Coimbra -, numa Igreja dividida entre o passado e o futuro, numa Igreja a viver em concluio com a ditadura benzendo os que partem para a guerra e toda a obra do Estado Novo.  Com personagens diferentes mas tudo tão igual: a mesma disciplina, a violação da correspondência, a ameaça permanente de ser expulso e de não saber o que fazer ( em concluio, o Estado não reconhecia os estudos feitos no seminário), as leituras clandestinas, os interrogatórios do reitor, os castigos, a violência (física também), o medo, mas também as amizades, as colónias de férias (fiz algumas no seminário do Fundão),  e a luta por uma igreja diferente inspirada no concílio Vaticano II. Felizmente, os colegas do meu ano formámos um grupo tão coeso,  lutador e excecional que o seminário de Évora apenas nos suportou um ano. A seguir, enviaram-nos para o seminário de Coimbra, bastante mais arejado. Aprendi, à minha custa, que a desobediência é o pecado mais grave, talvez o único pecado e que, sendo filho de Eva, lhe devia seguir o exemplo. É o preço da liberdade.

Já agora, partilho com o autor do livro as terras do concelho do Sabugal, ele de Vale de Espinho, eu de Vilar Maior. Daqui lhe envio o meu agradecimento pela forma perfeita como me fez reviver esse tempo.

 

Somos o que escolhemos ser

Avatar do autor julmar, 17.10.22

Somos todos filhos do tempo e do lugar em que nascemos ou, como escrevia o conhecido filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883 - 1955, "Eu sou eu e minha circunstância". Porém, a circunstância muda-nos e nós mudamos a circuntância e nesta dialética nos vamos mudando a nós próprios. Vamos pela vida dizendo que sim e que não, aceitando e recusando, preferindo isto ou aquilo, virando à esquerda ou à direita, indo a favor ou contra o vento, umas vezes sós e outras acompanhados. Talvez cheguemos a um ponto em que nos encontremos connosco e nos surpreendamos por sermos, afinal, donos precários dos caminhos que trilhamos e nos interroguemos sobre o que realmente nos importa. Isto por que ao ler o livro de que vos dou conta me surpreendi a perguntar porque estou a ler este livro, como cheguei aqui. A coisa mais improvável das circunstância em que nasci é que eu chegasse a esta antiga e grande família dos filósofos, embora hoje eu veja bem caminho que a ela me conduziu. E gratidão e orgulho por a ela pertencer e de dispender uma fatia generosa deste bem escasso que é o tempo a tratar do que mais importa ao homem - diriam os escolásticos, do homem enquanto homem, ou seja como podemos realizar em nós a humanidade. Dos multiplos caminhos apontados, (re)encontrei o que é traçado por Martin Hagglund que - recorrendo a gente notável, entre outros: Santo Agostinho, Soren Kierkegaard, Espinosa, Kant, Adorno, Hegel, Marx e Martin Luther King - me iluminou na senda da liberdade espiritual, da fé secular que o socialimo democrático poderá proporcionar à humanidade. No tempo finito que é o meu, valeu a pena o dispendido com este livro. Talvez o meu livro do ano.

Os livros que me fizeram

Avatar do autor julmar, 11.10.22

Tornar-se pessoa.jpg 

Já não me lembro do título do seminário, nem do professor que era brasileiro e que era congruente com a doutrina que o livro expunha e cuja modo de conduzir o seminário era muito pouco escolástico

Análise do livro: Tornar-se Pessoa – Carls Rogers
“Quem sou eu? Como posso tornar-me eu mesmo?” (pág. 139/140). É esta compreensão que os clientes buscam ao decidirem-se por fazer psicoterapia, pois é este um “mal” que aflige muitos de nós na atualidade, o desejo de tornar-se pessoa. Tornar-se pessoa no sentido de encontrar seu “eu real”, deixando as máscaras criadas ao longo dos anos caírem, todas elas.
Nesse processo de busca do “eu” entra a pessoa do terapeuta, não como um detentor do saber, do caminho que leve o paciente as suas descobertas, mas sim como um facilitador desse. Rogers aponta em seu livro “que o melhor é deixar ao cliente a direção do movimento no processo psicoterápico” (pág.13). É este o ensinamento que devemos seguir se quisermos de fato auxiliar nossos pacientes.
Quais seriam então os mecanismos que nos conduzirão a esse auxílio? Rogers coloca três aspectos essenciais: a congruência, compreensão empática e a consideração positiva incondicional. Percebemos o quão significativos são os aspectos apontados como fundamentais, afinal, como se daria uma psicoterapia em que o terapeuta não é autêntico, não se aceita, não se permite ser como é? Se este não o é, não age dessa forma, podemos imaginar que também seriam assim seus clientes. O ser falso não colabora em nada nas relações, não permite que sejam reais. Atitudes positivas sim contribuem para o amadurecimento, para evolução do paciente, o qual na realidade busca ser aceito, compreendido.
Eis então uma dúvida que aflige a nós, acadêmicos: quando estaremos prontos para ajudar nossos clientes? Como saberemos se estamos ou não? Rogers também sentiu essa dúvida e nos fala em seu livro que esse estar pronto se dá na relação, na experiência, que não devemos ter as teorias como trilhas, estas não nos permitirão ter essa resposta, é na vivência que obteremos tal compreensão, visto que o processo de psicoterapia é uma experiência única e dinâmica.
Voltando um pouco a busca do cliente, de tornar-se ele mesmo, Rogers nos fala que este a princípio busca um estado fixo, onde seus problemas serão solucionados. E que durante este percurso se deparam com a descoberta de que suas vidas estavam sendo guiadas por aquilo que pensam que deveriam ser, não o que são, percebem também que existiam em resposta às exigências dos outros, que agem e pensam conforme as pessoas acreditavam que deveriam agir, pensar e sentir. Ao se darem conta disso vão se descobrindo.
Isso também os conduz a percepção de que não são entidades fixas, mas um eterno torna-se.
Ao se implicar nesse processo de auxílio o terapeuta vai alcançando maturidade e crescimento, permitindo então uma atuação cada vez mais eficiente.
Cientes desse eterno tornar-se poderíamos então pensar na “vida boa” colocada por Rogers, a qual implica uma abertura crescente à experiência, o viver cada momento, e a confiança de alcançar um comportamento cada vez mais satisfatório. A vivência plena desses aspectos é sem dúvida um viver bem. Alcançá-la implica em trabalhar nossa criatividade, pois só criativamente é que poderíamos reunir estes três fatores. No entanto fica uma ressalva, não é para encarar a “vida boa” como um estado de ser, mas sim como um processo.
Olhando por outro viez, talvez seja isso que esteja faltando no contexto histórico atual: criatividade. Rogers apresenta algumas reflexões acerca do processo criativo em sua teoria da criatividade e nos fala que o sujeito cria porque isso o satisfaz, porque é sentido como auto realização. Para que e o porquê dessa teoria? A resposta é simples, esse mundo novo que tem se estabelecido exige cada vez mais de nós um comportamento criativo se o que desejamos for estar bem consigo próprio.
Então, poderíamos partir da avaliação das nossas bases, da nossa formação primária que se dá também no âmbito escolar. Mas como este espaço vem promovendo essa criatividade nas crianças e jovens para que possam corresponder as necessidades desse novo mundo? Pensar no percurso histórico da educação brasileira nos conduz a uma resposta não-satisfatória. Rogers reflete acerca do processo de ensino-aprendizagem, e nos fala a respeito de uma aprendizagem significativa, e de quais seriam as implicações que a psicoterapia tem para a educação.

[...]
Enfim, Rogers é profundo e sábio em tudo que nos diz em seu livro Tornar-se Pessoa. Sua teoria centrada na pessoa traz incontáveis contribuições acerca de nossa formação enquanto pessoa e como futuros profissionais. Ele nos conduz a muitas reflexões, de fato estas ocorreram a cada página lida. E independente de nossas escolhas por uma corrente ou outra, somo conscientes da importância e dos significados dessa leitura.

Era, assim, uma novidade nos princ´pios da década de 70, quando andava em busca de mim.

As aldeias que morrem

Avatar do autor julmar, 06.10.22

Baiôa Sem Data para Morrer

Com dois livros deixados a meio - coisa inhabitual - , não quis esperar mais para ler este. E lá viajei, não como o jovem professor mas como professor que já fui, a caminho de Gorda e Feia, uma aldeia com morte anunciada como a minha. Porque as aldeias morrem porque as pessoas morrem, os novos foram e ficam os velhos à espera da morte. E eu que não sou o Dr Bártolo que previu, rigorosamente, quando cada um dos habitantes morreria, sei que todos os da minha aldeia vão morrer e que, como Baiôa, não tenho data para morrer, mas que de cada um vou, no blog, 'Minha terra, minha gente' , dando notícia, fazendo o respetivo epitáfio. O Chico toca a sinal para os que estão lá e eu registo aqui para os que estão fora e para memória futura.  Com o Chico já contratei que só morrerá depois de me tocar a sinal e que dele deixarei tudo pronto e encomendado para que o blog 'Vilar Maior minha terra minha gente' publique o seu 'requiescat in pace'. O mesmo procedimento usarei para mim. A brincar (se é que com a morte se pode brincar) ou a sério, já alguns conterrâneos me têm perguntado se eu já tenho a foto deles para o seu requiescat in pace. Um deles, de que guardo segredo, até me perguntou quanto é. Para muitos será a única memória escrita para além das certidões obrigatórias na burocracia do Estado.

Voltando a Baibôa, a minha última leitura, tenho de agradecer ao autor Rui Couceiro, por não conhecendo a minha aldeia, me falar nela, por me confirmar o retrato do futuro dela. Um dia, todos morrerão sem terem sido substituídos por outros. Essa é a tragédia.