Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

A salvação das almas

Avatar do autor julmar, 26.09.22

Os «almas de cevado», os «almas do diabo», os «almas danadas»

Desde pequeno que na doutrina (na catequese) se aprendia que o homem se distinguia dos animais por ter uma alma e dos cuidados que se deviam ter para que não se perdesse, para que não se conspurcasse, porque a salvação dependia da brancura em que se encontrava na hora de abandonar o corpo. E a vida transformava-se numa luta entre a carne e o espírito e, por norma, tudo quanto sabia bem era pecado. Impossível não cair na tentação. Mas Deus, na sua infinita bondade, criou na terra um exército - os padres – de luta contra o pecado, quer para o prevenir ou para a o extinguir quando a prevenção falhasse: confissões, penitências mortificações, cilícios, abluções, cinzas, águas bentas, asperges, juras, promessas, sermões, rezas, persignações, procissões, contribuições, indulgências, bulas, jaculatórias, comunhões, extremas -unções, bens de alma, vénias e genuflexões – tudo sob administração do Bispo de Roma, representante de Deus na Terra e a quem, por isso, compete levar a cabo a maior das missões, melhor dito, a única missão do homem na terra – salvar a sua alma. Tudo o mais é vaidade e vento que passa. Claro que a cada homem (um amigo meu, machista que é, dizia que as mulheres deveriam ter dois) lhe foi colocado, do seu lado direito, um Anjo da Guarda. Mas como eram necessários muitos, Deus teve de fazer recrutamentos apressados e muitos deles não tinham grande formação mostrando séria dificuldade em distinguir o bem do mal e consequente aconselhar indevido. Anjinhos que eram, também lhes faltava a experiência da vida e como «os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz», acontecia que os anjos pertencentes ao exército de Lúcifer quase sempre levavam a melhor sobre os anjinhos. Mas como o sistema não podia viver sem o pecado – desde que não fosse tão extensivo que tudo ficasse reduzido a ele – também não havia interesse em que os anjos da Guarda fossem tão diligentes que deixasse de haver pecadores. Era como acabar com a matéria-prima do sistema, era como matar a galinha de ovos de oiro. Houve um político que comparou este estado de coisas à Guerra Fria, um equilíbrio em que Deus e O Diabo entenderam que cada um deles não podia acabar com o outro sem acabar consigo próprio. Claro que os argumentos usados na defesa deste estado de coisas tinham de ser capciosamente apresentados às almas na terra cujo destino ignoravam. O Diabo tinha sempre uma enorme vantagem sobre o que se defendera ou se viria a defender dado ser o princípio do mal, quanto pior melhor. Se não havia sentido ainda bem. Ou ainda mal. Ou as duas coisas ou nenhuma desde que fosse mal. Também não tinha que explicar coisíssima nenhuma! Deus que explicasse como era, que a ele só lhe competia fazer o contrário. Claro que Lúcifer entendia, na perfeição, (certamente Deus não lhe ganhava em ciência, embora Lúcifer lhe tolere a vaidade de se dizer omnisciente) que o poder não podia ser absoluto e, por isso, diplomaticamente se entendiam acerca do bem e do mal a distribuir aos homens. Quando uma das partes se excedia (Sodoma e Gomorra, a destruição da Torre de Babel, o Dilúvio) parecia que tudo iria acabar. Mas não. Lá se arranjava uma história nova que pudesse ser aceite por todos.

Sim, tem de haver sempre uma história nova.