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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

A Caixa dos Brinquedos

Avatar do autor julmar, 25.02.22

▷ Características Do Papel Higiénico. Tudo O Que Não Sabia

Das coisas mais importantes que descobri é que conhecimento (ainda) não é sabedoria. Entender esta distinção também não nos torna sábios. Mas ajuda

A caixa de brinquedos
A idéia de que o corpo carrega duas caixas -uma caixa de ferramentas, na mão direita, e uma caixa de brinquedos, na mão esquerda- apareceu enquanto eu me dedicava a mastigar, ruminar e digerir santo Agostinho.
Como você deve saber, eu leio antropofagicamente. Porque os livros são feitos com a carne e o sangue daqueles que os escrevem. Dos livros, pode-se dizer o que os sacerdotes dizem da eucaristia: "Isso é o meu corpo; isso é a minha carne".
Santo Agostinho não disse como eu digo. O que digo é o que ele disse depois de passado pelos meus processos digestivos. A diferença é que ele disse na grave linguagem dos teólogos e filósofos. E eu digo a mesma coisa na leve linguagem dos bufões e do riso.
Pois santo Agostinho, resumindo o seu pensamento, disse que todas as coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A ordem do "uti" (ele escrevia em latim ) e a ordem do "frui". "Uti" significa o que é útil, utilizável, utensílio. Usar uma coisa é utilizá-la para obter uma outra coisa. "Frui" significa fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa dela mesma.
A ordem do "uti" é o lugar do poder. Todos os utensílios, ferramentas, são inventados para aumentar o poder do corpo. A ordem do "frui" é a ordem do amor -coisas que não são utilizadas, que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas não são úteis; são inúteis. Porque não são para serem usadas, mas para serem gozadas. Aí você me pergunta: quem seria tolo de gastar tempo com coisas que não servem para nada? Aquilo que não tem utilidade é jogado no lixo: lâmpada queimada, tubo de pasta dental vazio, caneta sem tinta...
Faz tempo, preguei uma peça num grupo de cidadãos da terceira idade. Velhos aposentados. "Inúteis" -comecei a minha fala solenemente. "Então os senhores e as senhoras finalmente chegaram à idade em que são totalmente inúteis..." Foi um pandemônio. Ficaram bravos, me interromperam e trataram de apresentar as provas de que ainda eram úteis. Da sua utilidade dependia o sentido de suas vidas.
Minha provocação dera o resultado esperado. Comecei, mansamente, a argumentar. "Então vocês encontram sentido para suas vidas na sua utilidade. Vocês são ferramentas. Não serão jogados no lixo. Vassouras, mesmo velhas, são úteis. Uma música do Tom Jobim é inútil. Não há o que fazer com ela. Os senhores e as senhoras estão me dizendo que se parecem mais com as vassouras que com a música do Tom... Papel higiênico é muito útil. Não é preciso explicar. Mas um poema da Cecília Meireles é inútil. Não é ferramenta. Não há o que fazer com ele. Os senhores e as senhoras estão me dizendo que preferem a companhia do papel higiênico à do poema da Cecília..." E assim fui acrescentando exemplos. De repente os seus rostos se modificaram e compreenderam... A vida não se justifica pela utilidade, mas pelo prazer e pela alegria -moradores da ordem da fruição. Por isso Oswald de Andrade, no "Manifesto Antropofágico", repetiu várias vezes: "A alegria é a prova dos nove, a alegria é a prova dos nove...".
E foi precisamente isso o que disse santo Agostinho. As coisas da caixa de ferramentas, do poder, são meios de vida, necessários para a sobrevivência (saúde é uma das coisas que moram na caixa de ferramentas. Saúde é poder. Mas há muitas pessoas que gozam de perfeita saúde física e, a despeito disso, se matam de tédio). As ferramentas não nos dão razões para viver; são chaves para a caixa dos brinquedos.
Santo Agostinho não usou a palavra "brinquedo". Sou eu quem a usa porque não encontro outra mais apropriada. Armar quebra-cabeças, empinar pipa, rodar pião, jogar xadrez ou bilboquê, jogar sinuca, dançar, ler um conto, ver caleidoscópio: tudo isso não leva a nada. Essas coisas não existem para levar a coisa alguma. Quem está brincando já chegou. Comparem a intensidade das crianças ao brincar com o seu sofrimento ao fazer fichas de leitura! Afinal de contas, para que servem as fichas de leitura? São úteis? Dão prazer? Livros podem ser brinquedos? O inglês e o alemão têm uma felicidade que não temos. Têm uma única palavra para se referir ao brinquedo e à arte. No inglês, "play". No alemão, "spielen". Arte e brinquedo são a mesma coisa: atividades inúteis que dão prazer e alegria. Poesia, música, pintura, escultura, dança, teatro, culinária: são brincadeiras que inventamos para que o corpo encontre a felicidade, ainda que em breves momentos de distração, como diria Guimarães Rosa.
Esse é o resumo da minha filosofia da educação. Resta perguntar: os saberes que se ensinam em nossas escolas são ferramentas? Tornam os alunos mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria? Infelizmente, não há avaliações de múltipla escolha para medir alegria...
Rubem Alves

Perdendo-me na filosofia

Avatar do autor julmar, 12.02.22

O Tempo que Passa - Um Ensaio Sobre a Espera

Das primeiras coisas que, repetidamente, ouvi quando entrei na faculdade de filosofia foi a frase: "Todo o homem é filósofo". Não tenho a certeza que seja um bom princípio para iniciar ou motivar alguém nessa atividade. Nem entendo muito bem sequer por que é que alguém com possibilidades de escolher outro curso opte por este. A minha escolha, podia não a ter feito, foi condicionada como sendo a única porta do chamado elevador que me poderia conduzir a um patamar superior. As faculdade de Filosofia, à época, eram muito pouco filosóficas que o clima cultural do Estado Novo era pouco propício às actividades críticas e reflexivas. A minha faculdade, dirigida por Jesuítas, era um pesadelo, devendo abrir um parentese para o professor Cónego Franklin que muito me influenciou - sempre tive o gosto de ser influenciado e mudar de opinião - e que à época estava fazer a tese de doutoramento sobre Jean Paul Sartre. Quase tudo mais era uma escolástica ruminante, incluída a metodologia de ensino. Uma antifilosofia. Já após o 25 de Abril no final do 5º ano impediram-me de fazer o exame às três disciplina que faltavam para concluir o curso. Grande pancada! Mudei para a faculdade de filosofia da Universidade do Porto, iniciando o 4º ano. Os tempos eram outros, respirava-se outro ar. Aí comecei a ver que a filosofia valia a pena. Aí comecei a filosofar... até hoje.

Por isso, me vou perdendo com leituras como esta.

"Estamos sempre à espera. O ser humano é o único animal que espera, desde que nasce até ao fim da vida: pelo outro, por uma resposta, pela pessoa certa, pelo fim da dor, pelo resultado de um jogo, pelo dia seguinte ou simplesmente que a chuva pare. Andrea Köhler, numa sucessão de reflexões sobre o tempo, as transições, a paciência e em diálogo com grandes pensadores (como Barthes, Foucault, Nietzsche, Heidegger ou Kafka), oferece-nos uma meditação literário-filosófica sobre o que significa a espera e como a incluímos nas nossas vidas.

Quem estiver com pressa veio ao engano. "