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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

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Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Andar 2021, por África fora

Avatar do autor julmar, 30.12.21

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O tempo não dá para tudo: ler e escrever, tratar das coisas rotineiras, tomar café, pasmar,  passear, acompanhar o Hortênsio, o Florêncio e o Julião que sem mim não são ninguém. A este incompleto reportório acrescentaram-se este ano, um ensaio musical diário e cozer pão uma vez por semana. Por isso, tenho de começar todos os dias antes do nascer do sol e fazer o mais importante: ANDAR, um propósito que, com o termo do ano, completa cinco anos. Todos os dias faça chuva ou faça sol, seja domingo ou dia de festa. Sobram os dedos das mãos para contar as faltas. A melhor média de11,5Km/dia foi  em 2019; a deste ano, mais modesta, fica pelos 8,5 Km/dia que dá um total de 3102, 5 Kms. No itinerário imaginário que vai de Alexandria ao Cabo da Boa Esperança, coloca-me um pouco a sul de Harare (capital do Zimbawbé). Será preciso ainda mais um ano para completar o itinerário. Esperança sustentada com humildade, coragem e persistência.

Livros - 2021

Avatar do autor julmar, 27.12.21

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O fim do ano está aí e com ele os balanços a que me obrigo. O tempo é o bem mais precioso, e sendo nosso e dele podendo dispor, é para todos exatamente igual: a um dia, a um mês, a um ano nada podemos acrescentar ou retirar. A medida exata. Uma boa parte da nossa liberdade consiste na possibilidade de o administar como queremos. No tempo que levo ainda não encontrei tédio nem 'fazer tempo'.No tempo que tenho tento fazer o que gosto e procuro que o que gosto de fazer seja o que me torna mais humano. Os livros são os meus maiores amigos e, por isso, gasto tando tempo com eles. Cada autor é um amigo que me ensina, que me adverte, que me diverte, que me aconselha, que me faz mudar de ideias. Sim, gosto de mudar de ideias. E todos os anos faço novos amigos. Por vezes, volto a reler (Elogio da Velhice, Allegro Ma Non Tropo); outras vezes, regresso a um autor (desta vez, ao Aquilino, ao Hans Rosling, ao Dostoievsky); os filósofos, claro, aparecem sempre de uma forma séria ( Hanna Harendt, Bernard Henri-Levy) ou divertida (John Gray, Mark Rowlands, Henry David Toureau). Mas saliento três livros que  mexeram comigo de uma forma profunda e que de comum a face negra da História -  o medo, o horror, o terror inimagináveis: O Solilóquio do rei Leopoldo, A Origem do Totalitarismo e o Arquipélago Gulag. Sobre a maior parte destas leituras fui publicando posts no Badameco. A leitura do ano é o Arquipelago Gulag (quase no termo). Como foi possível só agora ler este livro?!

Livros ano 2021
1 - Tempo Extra - Cavendish, Camilla
2 - Elogio da Velhice - Hesse, Herman
2 - Talk like a TED - Gallo, Carmine
3 - Alegro ma non tropo - Cipolla, Carlo
4- Como aprendi a compreender o mundo - Hans Rosling
5 - O jogador - Dostoievsky, Fiodor
6 - O filósofo e o lobo - Rowlands, Mark
7- A Casa Grande de Romarigães - Ribeiro, Aquilino
8 - Um escritor confessa-se - Ribeiro, Aquilino
9 - Trabalho, uma história de como utilizamos o nosso tempo - Susman, James
10 - Volfrâmio- Ribeiro, Aquilino
11 - Ser Animal Ser Humano - Challenger, Melanie
12 - O solilóquio do Rei Leopoldo - Twain, Mark
13 - Lisbon - War in The Shadows- Lockhery, Neill
14 - Sobre o Futuro, perspectivas para a humanidade - Rees, Martin
15 - Andar a pé - Thoreau, Henry David
16 - Portugal e os Judeus - Martins, Jorge
17- José Pacheco Pereira - A vida contada nos papéis da memória
18 - O pequeno livro das grandes ideias -Thomson, Jhonny
19 - O poder da Presença - Cudy, Any
20 - Elogio dos Inteletuais - Lévy, Bernard-Henri
21 - A Origem dos Totalitarismos - Arendt, Hannah
22- Política e verdade- Arendt, Hannah
23 - Filosofia Felina - Gray, John
24 - Dona Zézinha, La vir peu ordinaire d’une instrutice- Altina, Ribeiro
25 - Condenação - A política da Catástrofe- Ferguson, Niall

26 - O Arquipélago Gulag - Soljenitsin, Aleksandr

Gente que conheci

Avatar do autor julmar, 09.12.21

José Eduardo Pinto da Costa (03-04-1934 a 08-12-2022), faleceu hoje. Foi professor catedrático na Universidade do Porto nas  Faculdades de Medicina e de Psicologia Forense e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Foi diretor do Instituto de Medicina Legal do Porto de 1976 a 2001

Tive o prazer de o conhecer quando exerci o cargo de director do Centro de Formação de Professores Gaia Nascente, em Vila Nova de Gaia. Tinha, na altura, instituído no Centro um ciclo de conferências convidando, para o efeito, personalidades de reconhecido mérito que, a troco da vontade de fazer bem, quisessem partilhar o seu saber com os professores. Foi uma palestra memorável pela forma simples, espontânea e cheia de humor como conseguiu prender a atenção dos presentes.  Encontros felizes.

 

D. Zézinha - Uma história que vale a pena ler

Avatar do autor julmar, 07.12.21

Recordando a D. Zézinha - VILAR MAIOR, minha terra, minha gente

"Quem não sabe o que lhe acontece puxa pela memória para salvar a interpretação do seu conto, pois não é totalmente infeliz quem puder contar a si mesmo a sua própria história” Maria Zambrano

Já tinha dado conhecimento da existência deste livro no blog, Vilar Maior minha terra minha gente. Recentemente, tive uma longa e agradável conversa com a autora que teve a gentileza de me enviar o livro. No mesmo dia que o recebi, o li. Como um romance que tem um sabor diferente pelo conhecimento direto dos personagens e dos lugares. A história de uma mãe e de um filho, a D. Zézinha e o Alexandre a que se acrescenta o pai, o sr Raul e a Adelina, irmã do Alexandre, falecida na infância. Depois, acrescenta-se a família alargada: Os pais da D. Zézinha e a sua madrinha, dona de uma pensão no Sabugal e que a tomou como a mãe que lhe deu atenção e carinho; os pais e irmãos do senhor Raul, uma família urbana a viver numa comunidade rural. O livro gira à volta da relação de uma mãe rígida e austera que quer o melhor para o filho, que na sua obsessão de o tornar o melhor aluno lhe nega o mais importante: o amor concretizado no carinho e a liberdade materializada no brincar. D. Zézinha colocava acima de tudo a sua profissão desenpenhada no contexto dos valores do Estado Novo.  O livro é uma história dentro da História. Uma história que começa na Primeira Guerra Mundial, no cocheiro que faz o correio da Guarda para o Sabugal, do casamento do cocheiro com Maria da Graça e do nascimento da Maria José que iria ficar orfã aos quatro anos com a mãe a não saber o que fazer à vida. Valeu-lhe a Adelina que tinha a pensão no Sabugal, onde a Maria José cresce a ver aparecer e desaparecer muita gente importante. Fez a quarta classe como aluna tão distinta e ilustrada que anos mais tarde lhe haveria de valer a convocação para regente escolar estreando-se na função na Arrifana do Côa onde, a tão invulgar acontecimento, entre a muita gente que acorreu, se contava Raul Araújo. Ali nasceu um amor cuja união seria celebrada em 1942. E, em parte da casa, da ilustre família Araujo, na Vila, se instalou o casal. Em 1951, nasce o Alexandre, dando continuidade ao nome de seu avô e de seu bisavô. O périplo de D. Zézinha prossegue de aldeia em aldeia, a partir de agora com o Alexandre, na sua missão de ensinar a ler, a escrever e a contar que, juntamente, com a inculcação dos valores Deus, Pátria e Família completariam o currículo. O futuro é indecifrável e o princípio da década de 60 trouxe muitas novidades: D. Zézinha estava agora na escola primária de Vilar Maior, no edifício acabado de construir do Plano Centenário; o Raul, amparado no magro vencimento da regente, farto de vida sem horizonte, fez como os pobres e mal remediados fizeram, deu o salto para França; o Alexandre, finalmente, deixava a mãe, a caminho do seminário de Beja, onde o fui encontrar um ano depois. E o Alexandre, fora da mãe, no seminário, não iria encontrar nem amor, nem liberdade. Não haviam passado dois anos, e o padre Gaudêncio - o reitor do seminário, uma figura distinta que aparecia à hora do recreio a distribuir o correio pelos alunos, cartas que ele já lera, a quem os alunos cumprimentavam beijando a mão, espalhando perfume por onde passava - dava a pior das notícias à mãe: o Alexandre tem de abandonar o seminário porque não tem vocação. Nova fase de vida do Alexandre, agora num colégio interno da Guarda, o Colégio de S. José, dirigido por padres que pouco diferia do seminário. Porém, o Alexandre crescia e contra a rigidez disciplinar ousou experimentar o sabor do desafio e da desobediência. Gostou e criou amigos. 

O princípio da década de 60 também trouxe as guerras do Ultramar que se alimentavam da juventude. D. Zézinha, embora defensora da pátria e do império vivia acabrunhada só de pensar que o seu menino, cada vez mais próximo da idade de soldado, pudesse ir para a guerra. Assim, arquiteta um plano para o Alexandre ir passar as férias a Paris com o pai. Chega e o pai, que não sabia da ida do filho não estava. Levam-no para o grande bairro da lata - Champigny,  e fica incrédulo sobre como é possível viver ali. Depois passa a viver com o pai que trabalhava longe e só o via ao fim de semana. Encontros e desencontros, portas fechadas, outras entreabertas, vai-se acertando com a realidade. 

D. Zezinha, por cá, sem o seu Alexandre, sem o Raul, perde o amor à profissão. Tira o passaporte e vai ter com eles a França. Como é preciso ganhar a vida, mesmo num ofício que não se gosta, tornou-se porteira. 

Uma história que começa nos princípios da República, passa por duas guerras mundiais, por quarenta anos do salazarismo, pelas guerras coloniais, pelo exodo migratório e, felizmente, pelo 25 de Abril.