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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Aqui há gato

Avatar do autor julmar, 30.11.21

A atitude natural é vermos o mundo a partir de nós e dos que mais se assemelham a nós e, insconscientemente, vamos construindo um mundo em que nós somos o centro (Antropocentrismo). Como  a nossa segurança é um bem primeiro, recusamos tudo quanto a possa pôr em causa. Por vezes, é preciso uma grande coragem para romper com os muros que nos cercam e protegem - crenças, preconceitos e todos os ismos. Que o diga Sócrates, Giordano Bruno ou  Galileu entre tantos outros. Criamos barreiras baseadas na cor, no sexo, no tamanho, na riqueza: Literalmente, criamos muros. A razão da não aceitação da ciência é que ela destrói as nossas mais fundas crenças, muitas delas coerentemente articuladas, não apenas em religiões, mas em sistemas filosóficos como a filosofia de Aristóteles, na verdade um senso comum ilustrado, fundado na velha definição "O homem é um animal racional" que viria a servir de pano de fundo ao cristianismo e ao dualismo filosófico do corpo e alma de R. Descartes. Nem a doutrina de Darwin (1808-1882), conseguiu ainda abater a barreira que nos separa dos animais. A razão é que "Aqui há gato".

Talvez, o caminho seja aprender com os gatos

“Nisto somos iguais a todas as outras criaturas. Os humanos não estão acima nem abaixo dos outros animais. Não há nenhuma e escala cósmica de valor, nenhuma grande cadeia dos seres-nenhum padrão externo porque se possa jogar o valor de uma vida. Os humanos são humanos, os gatos são gatos. A diferença é que os gatos não tem nada a aprender connosco, mas nós podemos aprender com eles a aliviar o peso que implica ser se humano. Um peso que podemos pôr do lado é a noção de que existe uma Vida perfeita. Não é que a nossa vida seja inevitavelmente imperfeita. É mais fértil que qualquer ideia de perfeição. A boa vida não é a vida que poderíamos ou que talvez ainda possamos levar, mas é que já temos. Os gatos nisto podem ser nossos mestres, pois não sentem falta da vida que não viveram.” pg120

Se um gato nos quisesse/pusesse aconselhar:

1. Nunca tente convencer os seres humanos a serem razoáveis

2. É um disparate queixar-se de falta de tempo

3. Não procure um sentido para o seu sofrimento

4. É melhor ser indiferente aos outros que sentir que tem de gostar deles

5. Não ande atrás da felicidade, talvez assim a encontre

6. A vida não é uma história

7. Não tenha medo do escuro, pois encontra-se muito de valor na noite.

8. Durma pela alegria de dormir

9. Cuidado com quem o quer fazer feliz.

10. Se não consegue mais viver como um gato, regresse sem arrependimentos ao mundo da distração.

"Um filósofo felino não encorajaria os humanos a procurar o saber. Se não tem prazer na vida em si, procure realizar-se na inconstância e na desilusão. Não combata o receio da morte. Deixe-o fenecer. Se anseia por tranquilidade, há-de andar sempre agitado. Em vez de virar as costas ao mundo, vire-se para ele e mergulhe nessa sua loucura" pg 124

Histórias de vida que começam assim

Avatar do autor julmar, 24.11.21

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"Bartolomeu deu entrada na roda no primeiro dia abril de 1855 sendo encontrada a porta de Adrião Martins do Seixo do Coa, na madrugada do dia 30 março com um escrito que dizia: 'este menino já está batizado, o seu nome é Bartolomeu, e foi batizado por um sacerdote, aonde quer que fica estamos bem que por tempo será procurado', não traz enxoval algum mais que uns pequenos panos em que vinha envolto e não trazia sinal algum natural"

e para constar o registo eu José Ribeiro Leitão.

O Bartolomeu foi entregue a Isabel Chamusca de Vilar Maior no primeiro de Abril de 1855. Em 1 de Abril de 1861 foi dada baixa.

Talvez esta seja a única memória que fica deste menino.

As Origens do Totalitarismo

Avatar do autor julmar, 19.11.21

 "Preciam quase uma só unidade, que esses membros são uniformes não apenas nas ideias, mas até a expressão facial é quase a mesma. Vejam esses olhos sorridentes, esse entusiasmo fanático, e ficarão sabendo (...) como 100 000 homens num movimento podem tornar-se um só" pg 453

Um livro grande para ler devagar. Mesmo que queira andar para a frente, há muitas páginas para ler, sou obrigado a parar, copiar uma frase, fazer uma breve pesquisa, anotar, comentar, a associar a acontecimentos e situações. Um livro que mexe connosco quase de uma maneira física. E quando vemos o que levou às situações de horror extremo e olhamos à nossa volta, sabemos que o que aconteceu pode voltar a acontecer. Claro que a Alegoria da Caverna, apresentada na República de Platão já nos tinha alertado para a possibilidade de um despotismo iluminado, mas estaríamos longe de supor o que aconteceu no nosso século XX. E podemos imaginar o que seria o mundo transformado numa Coreia do Norte.

Os meus mestres - Hannah Arendt

Avatar do autor julmar, 19.11.21

Verdade que admiro Hipátia, li alguma coisa de Simone de Beauvoir,  Maria Zambrano, Rosa Luxemburgo, Susan Sontag, mas só agora, após a leitura de "A Origem dos Totalitarismos", Hannah Arendt, uma mulher faz parte da minha lista de convocados, de mestres com quem passei muitas horas. 

Infelizmente, a imagem dos políticos não passa por bons momentos. 

“Se, como acontece com a verdade, mentira tivesse apenas um rosto, estaríamos em melhor situação. Porque tomaríamos por certo o oposto daquilo que dissesse o mentiroso . Mas o reverso da verdade tem mil figuras e um campo indefinido” Montaigne
 
"Dado que tratei da política na perspetiva da verdade, e por consequência de um ponto de vista exterior ao domínio político, omiti a referência, mesmo que de passagem à grande e à dignidade do que nela se passa. Falei como se o domínio político não fosse mais do que um campo de batalha de interesses parciais e adversos, onde nada contaria além do prazer e do lucro, do espírito partidário e do desejo de dominação. Fala falei como se o domínio político não fosse mais do que um campo de batalha de interesses pessoais Adversos, onde nada contaria além do prazer e do lucro, do espírito partidário e do desejo de dominação. Em resumo, falei da política como se, também eu, acreditasse que os assuntos públicos são governados pelo interesse e o poder, e não existisse, em caso algum, domínio político se fôssemos obrigados a preocupar-nos com as necessidades da vida. A razão desta deformação é que a verdade de facto entra em conflito com a política apenas a esse nível mais baixo dos assuntos humanos, tal como a verdade filosófica de Platão jogou com a política ao nível consideravelmente mais elevado da opinião e do acordo. Nesta perspetiva, permanecemos na ignorância do conteúdo real da vida política-da alegria e da satisfação que nascem do facto de estarmos em companhia dos nossos semelhantes, de agir e em conjunto e de aparecermos em público, de nos inserirmos no mundo pela palavra e pela ação, e assim adquirirmos e sustentarmos a nossa identidade pessoal e começarmos qualquer coisa inteiramente nova. Contudo, aquilo que pretendia mostrar aqui é que toda essa esfera, apesar da sua grandeza, é limitada-que não envolve a totalidade da existência do homem e do mundo. É limitada por coisas que os homens não podem mudar à vontade. E é apenas respeitando os seus próprios limites que esse domínio, em que somos livres de agir e de transformar, pode permanecer intacto, conservar a sua de integridade e manter as suas promessas. Conceptualmente, podemos chamar verdade aquilo que não podemos mudar. E, metaforicamente, ela é o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós.”

Poemas da minha vida

Avatar do autor julmar, 15.11.21

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António Gedeão e Galileu Galilei, dois queridos mestres para quem tenho uma dívida enorme. A filosofia, a ciência, a poesia. Quantas as vezes começava as minhas aulas com um poema como quem diz uma oração. E os poemas de que gosto muito sei-os de cor, como este.

Poema para Galileu

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios).
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei... Eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!
Olha. Sabes? Lá na Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da
praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas centado num
escabelo
e tinhas à tua frente
um guiso de homens doutos, hirtos, de toga e de
capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio
mordiscava os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e
das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que
estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor,
que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu
pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma
Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores
deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões
de braços,
andava a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilômetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer,
homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão direta dos quadrados dos tempos.

Gente que conheci - Dário Fernandez

Avatar do autor julmar, 11.11.21

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Incrível! Hoje lembrei-me de escrever um post sobre o meu amigo Dario. Iniciei este post e inseri a fotoggrafia. Lembrei-me de procurar no Google e digitei o seu nome. Estou incrédulo com o seu desaparecimento. Morreu e eu não o sabia. dario 2.jpg

Un gran conversador, gran amigo de sus amigos y muy inteligente

Darío Fernández como persona fue extraordinario, aunque cuando se ponía la toga en sus años de ejercicio como abogado, algunos lo consideraban temible. En el Caso Almería, este hombre tan didáctico, ameno, gran amigo de sus amigos y muy inteligente, se la jugó. “Los informes de autopsia revelaron que eran ya cadáveres cuando los queman en el coche. Lo de la carretera de Gérgal, los impactos van sobre cadáveres. La reconstrucción hubiera sido vital y me hubiera permitido tener pruebas de forensía. Ningún forense quiso actuar”, rememoraba en mayo, 39 años después del juicio. “Me han llegado noticias de fuentes fiables que me indican lo que pasó y quienes participaron. Lo que pasa es que yo jamás desvelaré esas fuentes, e incluso puedo decir que me llegaron noticias de la propia estructura de la Guardia Civil. Hay gente viva, otros han muerto, pero donde está el quid de la cuestión, es que habría que haber profundizado en el tribunal que juzgó el Caso Almería, y no se hizo”. “El caso Almería ha sido el caso de mayor amor de mi vida profesional”, concluía Fernández, amante de la música clásica.

El.Caso.Almeria.1984.SPANiSH.DVDRiP.XviD (colocar na barra de endereços para poder ver o filme)

Demasiado triste para poder escrever sobre o encontro de um amigo tão incrível