Não ceder no pensamento
julmar, 31.10.21
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Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move
Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move
julmar, 31.10.21
julmar, 23.10.21
Entre tanta a coisa a que poderia ter dedicado uma importante parte da minha vida tive a sorte de a gastar a aprender e ensinar filosofia. Agora, reformado, continuo, apenas, a aprender sem compromisso que não seja continuar a ser filósofo. Talvez se possa deixar de ser faroleiro, dentista ou cobrador de impostos mas ser filósofo é para a vida toda. É uma fatalidade, não podemos despir o fato de trabalho nem meter férias. Talvez possa compreender isto se for capaz de chegar ao fim da leitura deste livro que não é um romance, nem um tratado ou manual de Filosofia, nem vai encontrar respostas para as perguntas que se coloca. Encontrará temas leves - As boas maneiras ou a amizade - e temas pesados - As causas Primeiras ou o Mal - e um filósofo para cada tema. E correntes filosóficas também. No caso de não andar a dormir num sono dogmático vai tropeçar com muitas coisas que já lhe passaram ou passam pela cabeça. Finalmente, vai ter um consolo: o autor nunca lhe dá uma solução porque a única solução válida para si é a que for capaz de construir. Se aceitar o desafio, você é um filósofo.
Então, poderá deixar o pequeno livro e iniciar "O ser e o nada", de Sartre; a "Crítica da Razão Pura" de Kant ou, mesmo, um pequeno livro "O Discurso do Método" de Descartes.
julmar, 19.10.21
Cenas dos princípios do século XX, de um professor que anotava coisas
1 – Epifenómenos e excrescências
Já nos apercebemos que muitas criações do espírito reformador correspondem a epifenómenos. Uma das mais evidentes é a criação de departamentos em cujas reuniões para dar cumprimento ao regulamento e justificar as horas dos respectivos coordenadores se passa metade do tempo a justificar o que se não fez e a outra metade a planificar o que se não há-de fazer.
2 – Um aluno do 10º deu-me três erros numa só palavra – exactamente – que ele escreveu isatamente. Mandei-o escrevê-la 100 vezes, disse uma professora junto ao bar.
É interessante ver, nas actas e fichas anexas, o que se faz ou o que se diz que se faz. O padrão é sempre o mesmo: O que se vai fazer, consultar os alunos, às vezes define-se qualquer coisa, outras coisa nenhuma, para se concluir o ridículo “No final do 3º período concluir-se-ão os trabalhos”.
As áreas. Porque o espírito da moda odeia o conhecimento, o conhecimento disciplinar. Querem fazer a teia sem passar pelo fio, porque o importante é o todo e não a parte. Querem a integração sem passar pelos elementos. Morreu a área escola e já outras áreas apareceram: a área de projecto. Pede-se aos professores que inventem e uma vez que não sabem pedem aos alunos que inventem. No final acabarão por inventar um relatório que justifique a (falta de) invenção.
9.
Multiplique-se pelo preço hora e veja-se quanto se gasta.
Claro que os verdadeiros castigados são os professores. Ou o Estado que desperdiça recursos. Porque o aluno, de acordo com a ideologia dominante mesmo na classe dos professores, tem circunstâncias suficientes que justificam o seu comportamento. O castigo há-de ser sempre uma coisa tão almofadada e apaparicada que em vez de dor será prazer, isto é, prémio.
E nestas coisas o importante é o essencial. O essencial é o que não muda: o que não muda na modelação do comportamento é simples: O homem evita a dor e procura o prazer, ou formulado de forma mais culta traduz-se no princípio do prazer e no princípio da realidade. A educação, hodiernamente, situa-se no polo do prazer e os resultados estão à vista. O hedonismo é o clima em que se vive. E o clima é, para a educação e para a cultura, fatal.
Já não estou em idade para querelas pessoais. O que me interessa é mesmo o problema.
julmar, 19.10.21
Saudades do meu amigo Luís Leonardo, que me brindava com textos como este, no meu extinto Pitagórico.
“Eu rio-me nos funerais e choro nas festas
E encontro um gosto suave no vinho mais amargo;
Com frequência tomo os factos por mentiras
E, de olhos postos no céu, caio em buracos.
Mas a voz consola-me e diz-me: «Guarda os teus sonhos;
Os sábios não os têm tão belos como os loucos.”
Baudelaire, La voix
Parece-me a mim que a quadratura com os ângulos que lhe são próprios está a
ficar mais circular, perdendo os contornos mais agressivos que a torna mais
habitável, mais aconchegada, mais envolvente, mais perfeita. Sabe-se lá se
não será por mor dos muitos insultos grosseiros com que, reciprocamente, se
mimam os adversários políticos que, como todos os maus artistas carregam nas
tintas onde não devem, aumentam decibéis e luzes que ocultem o vazio da sua
arte. É tudo gente que tem pressa, que lhe interessa o imediatamente útil,
que não tem tempo a perder, que prefere ganhar mal do que perder bem (pressa
de chegar a secretário, a ministro, a deputado, ao governo, a Bruxelas); é
uma luta pela vida (ou pela vidinha) que não pela cultura. E a pressa dá no
que dá: para quê a negociação, a diplomacia, a persuasão se podemos vencer
pela espada? Mas num mundo em aceleração quem tem paciência para esperar?
Não são apenas os frangos que crescem depressa. Os pais (que estão bem/mal
mal na vida) têm pressa que os filhos aprendam tudo e, por isso, é ver a
quantidade de coisas que estas crianças têm que aprender! (ir à música, ao
ballett, à natação…). E o maior dos perigos é começar a levar a sério a vida
demasiado cedo.
Regressando aos insultos dos nossos políticos eles traduzem a sua incultura,
a sua necessidade de strip-tease que à força de se desnudarem a si e aos
outros nos oferecem um espectáculo intensamente pornográfico. A cultura só
existe quando tem alguma coisa para se esconder e o diálogo só existe quando
se acredita poder mostrar alguma coisa ao outro. Neste jogo de
ocultação/desocultação se joga a nossa humanidade. A forma de aprender este
jogo - brincar. Ora, a linguagem é a instância, por excelência, da cultura
enquanto adaptação ao mundo. Por isso, a nossa relação com a realidade é
indirecta, tacteante, hesitante, aproximativa, retórica, cosmética, uma
espécie de sedução amorosa. Deste modo, o que insulta revela-se na sua nudez
bestial dos instintos primários tão necessários à vida na selva.
É tempo de nos volvermos à cultura e, de um modo especial, os políticos pela
sua especial responsabilidade nos nossos destinos. Sigam o conselho de
Pacheco Pereira (que pena este homem metido na política, digo-o muito a
sério)! Olhem para o céu! Foi a olhar para o céu que o homem descobriu a
terra! A sério ainda, que não conheço nenhuma frase tão emblemática no
avanço da cultura e do conhecimento como esta. É verdade que Tales caiu num
poço por andar a olhar para o céu e que a sua criada trácia se riu a
bandeiras despregadas da distracção do filósofo. Mas, entre outros
espécimes, o mundo é mesmo assim: feito de filósofos e de criadas – quando
aqueles pedem para olhar os céus, estas perguntam onde estão as cartas da
astróloga Maia (assim se chama?).
Luís Leonardo
julmar, 18.10.21
julmar, 15.10.21
Eram relaxados aqueles que se abandonavam ao curso dos dias, ao vento das circunstâncias, aos que se deixam arrastar pela corrente, aos que baixam os braços. Deixam que as nódoas se acumulem, que a barba cresça, que a remela se seque, que o tempo passe indefinido. Deitam-se ao relaxe e tanto se lhes dá isto como aquilo, que chova ou faça sol. Entregam o seu destino ao pior dos deuses: O Deus Dará que é uma providência descuidada. Desacoroçoados da vida, sem réstia de esperança, botam-se ao relaxe. Seca-se-lhes o corpo, mirra-se-lhes a alma.
julmar, 05.10.21
Um dia, acordei às cinco da manhã e, como não aprecio estar às voltas na cama, acendi a luz e peguei no livro, já em parte avançada, onde a autora, inspirada na obra de William James sobre a expressão das emoções, relatava experiências em que tentava demonstrar que as posturas corporais levam os sujeitos a viver emoções que lhes aumentam ou diminuem o poder. Para mim não é um assunto novo e ficou-me sempre gravada a forma do calculista Blaise Pascal (acerca da fé e da salvação da alma) que apela ao descrente, na falta das palavras do próprio, o sentido: 'Entra na na igreja, ajoelha e reza. Hoje, amanhã ...sempre e acabarás por crer'.
Para mim, é bastante evidente que o corpo é o teatro da alma. Quem mo ensinou - para além de algumas leituras, incluída a obra de Descartes, As Paixões da Alma - foi sobretudo a experiência de andar, de andar todos os dias, manhã cedo. Pelo andar do corpo se vê quem o habita. Por vezes, para mudar o estado mental não é preciso muito. Experimente durante uma hora caminhar de ombros erguidos e queixo levantado dois centímetros acima do habitual. Com esse modo de andar passará a andar não para ser feliz mas porque é feliz. Siga o conselho de Pascal, finja até não ser necessário. Se, até é possível acreditar em Deus, porque há-de ser impossível acreditarmos em nós?