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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Vá para o interior, porra!

Avatar do autor julmar, 31.05.20

O burro e a carroça.JPG

Desde já felicito o fotógrafo a quem peço desculpa pelo (ab)uso da imagem que recolhi do facebok. Tenho várias fotos sobre o tema mas confesso que esta me agrada mais. A senhora é-me conhecida, o burro também e a paisagem familiar. Diria que é a estrada Aldeia da Ribeira - Vilar Maior. Cada vez mais rara,  esta é uma cena típica do concelho do Sabugal. Em termos históricos (sim, a História também é feita por carroças, burros e pelos seus proprietários) este tipo de transporte surge nos anos sessenta quando começa o exôdo migratório para França e os lavradores se desfazem da possante e pachorrenta junta de vacas, do respetivo carro (maciço, pesado,  de rodas de meia lua em madeira cravejada de ferragens), do arado, da charrua e demais arreios pondo termo a uma economia secular do trato da tapada de centeio, da cultura de regadio (sobretudo a batata mas também o linho) e da vinha complementada com a piara do gado. Na impossibilidade de continuar com uma estrutura tão pesada - é mais difícil alimentar uma vaca do que meia dúzia de burros -, as mulheres que ficaram encontraram uma solução: o burro e a carroça. 

Se quiser viver no interior e quiser prover ao seu integral sustento esta é a situação ideal. Sem estar dentro dos preços, diria que com dois ou três mil euros terá carroça, burro e respetivos arreios e acessórios. Com o burro tem assegurado um transporte seguro, barato e não poluente. Poderá fazer uma economia circular, uma agricultura inteitamente biológica, sem emissões de dióxido de carbono. Com o burro poderá lavrar a terra, transportar todo o tipo de produtos , incluindo o estrume que ele abundantemente produz e ter uma agricultura próspera,  fazer uma cultura de regadio à custa do burro, (arranje um chão, horta ou veiga que disponha de uma nora). 

Então, se começa a ficar entusiasmado, começe o projeto. Eu sugiro que vá para o interior, para os designados territórios de baixa densidade, de preferência para uma das quarenta e tal aldeias do concelho do Sabugal. Aqui tudo chega mais tarde ou nem sequer chega, como acontece com o vírus que graça por todo o planeta. Todas as aldeias têm os seus encantos naturais, a sua identidade, a sua história. Poderá optar por comprar a casa onde quer viver ou poderá arrendar (há muita oferta). Poderá comprar um terreno, arrendar ou até alguém lhe poderá ceder através de um contrato de comodato ou sem contrato. Depois decida se compra um burro ou uma burra. Para além da casa, do terreno, da carroça e do burro não se esqueça de comprar a melena, uma albarda (quando não quiser andar de carroça e preferir disfrutar da montada), o respetivo cabresto e rabeiro. E, claro (não compre, arranje você mesmo) uma vara que para além de conduzir a besta lhe virá a ser muito útil como, com tempo , descobrirá. Como irá descobrir muitas outras coisas. Mas isso também faz parte da parte interessante. 

O burro é um animal frugal, comunicativo, muito resistente, comunicativo, inteligente  e bom companheiro. Não compre relógio ou despertador porque ele é que lhe vai ditar o tempo. E acredite que se a voz de burro não chega ao céu, ela chega mais longe que qualquer outra.

Vá lá! Se entre o Ferrari ou o Tesla optar pelo burro, eu dou uma ajuda.

O que a pandemia nos ensina e o que não queremos aprender

Avatar do autor julmar, 30.05.20

A normalidade é uma construção que os homens fazem através do estabelecimento de rotinas que leva a que se façam sempre as mesmas coisas da mesma maneira, no mesmo tempo e pelos mesmos sujeitos. O exército, as igrejas, as fábricas, as escolas implementaram as suas rotinas o que lhes assegura a ordem e a previsibilidade. E todos ficam muito contentes que assim seja e todos estabeleceram penalizações para os que colocassem em causa as rotinas que  asseguram a normalidade. O problema da normalidade é que exige que todos ajam, sintam e pensem da mesma maneira o que conduz a uma cegueira enorme. Como aquilo que dá segurança ao indivíduo e à sociedade é a experiência do que se passou, subjugam o futuro ao passado mesmo quando asmudanças exigiriam novas modalidades. Por isso, a normalidade que foi racional tende com o tempo para a irracionalidade. Por exemplo, achamos normal comprar coisas que não precisamos, comermos coisas que nos fazem mal, deslocarmo-nos diariamente para o local detrabalho num carro de  100 ou 200 cavalos para andar a uma média de 30 ou 40 Kms/h, entrar às 9 horas e sair às 17 horas mesmo que o tempo efetivo de trabalho tenha sido apenas 1 hora. Ou que 80 ou 90% das consultas médicas poderiam ser feitas por video-conferência. Claro que tudo isto tem uma liturgia. Porém, há que reinventar outras liturgias separadas da produção 

Ninguém está disposto a aprender. A palavra de ordem é voltar à normaliade, ou à nova normalidade,  ou à normalidade possível. A aposta deveria ser trabalhar um terço e produzir o triplo. E isso é possível. Quando a pandemia chegar as fábricas continuarão a produzir, os alunos continuarão a apender, os padres continuarão a rezar. Mas todos poderão usufruir de mais ócio, dedicar-se à filosofia, à autoformação, ao conhecimento de si e das suas possibilidades, à arte e à educação do gosto.

Morreu José Cutileiro

Avatar do autor julmar, 17.05.20

Honra e vergonha.jpg

Quanto mais velho, mais endividado. Algumas dessas dívidas são muito antigas e chego a esquecer-me delas. Hoje, ao anunciarem no telejornal a morte de José Cutileiro, levantei-me, fui à secção dos livros da Fundação C. Gulbenkian e lá estava a prova da minha dívida, o prefácio a esta obra que, anotada  esublinhada, me ajudou na compreensão antropológica da minha aldeia. Duas prateleiras abaixo e lá está a outra obra que me ajudou na compreensão do Alentejo da minha infância:  Pobres e Ricos no Alentejo. Espero que esta memória agora escrita seja suficiente paga da minha dívida.

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Por que devemos filosofar?

Avatar do autor julmar, 12.05.20

Ciência sem consciência não passa de ruína da alma.... Frase de François Rabelais.

Todos os grandes cataclismos na vida das pessoas , dos países ou do planeta altera o curso normal da vida quer sejam provocados pelo homem quer pela natureza. E, para nos tranquilizarmos, devemos, em primeiro luga, afirmar um princípio óbvio mas fundamental da filosofia e do espírito científico enunciado pelo filósofo Leibniz: "tudo o que acontece tem uma razão suficiente para ser assim e não de outra forma "  Ou seja, temos de colocar a discussão no campo da racionalidade filosófica e científica não perdendo tempo com quem tenha outros princípos, outros métodos, outras certezas. A humildade é inerente ao espírito científico porque aceita a relatividade, a incerteza e porque no seu caminho errante, tropeçou, caiu e se levantou e sabe que assim será. Mas tem um orgulho enorme nesse caminho percorrido, nas vitórias alcançadas que fazem dele um criador do próprio mundo e uma confiança que tão bem representada está no filme "2001 Odisseia no Espaço".

A obra de Harari ( a sua trilogia - Homo Sapiens - Homo Deus e 21 lições para o século XXI) é um excelente contributo para a tarefa maior que ao homem se coloca: o que faremos com o poder científico e técnico que continuamente aumentamos?    

 

Revisitando Nietzsche

Avatar do autor julmar, 07.05.20

Poucos filósofos como Nietzsche suscitaram tanta controvérsia no panorama filosófico e cultural.  Vai para 50 anos que me encontrei com ele em Braga na Faculdade de Filosofia, dirigida pelos jesuítas, onde tinham assento todos os filósofos mas sujeitos à crítica da filosofia escolástica, detentora da verdade, à qual as nossas consciências se deviam conformar. A minha também. À época, diferentemente de hoje, o acesso a cultura, a ciência e à filosofia era difícil. Os livros eram caros (imaginem que hoje, aqui neste teclado onde escrevo, com uns poucos clics posso aceder a toda a obra Nietzche), as bibliotecas disponibilizavam apenas os que entendiam e ficávamos limitados aos apontamentos tirados nas aulas e à Sebenta (o nome, em muitos casos, é mesmo literal) construída pelo professor. E o ponto essencial do professor e da sua sebenta sebenta era a tese da inversão dos valores do cristianismo, o que era verdade. O ponto é que o cristianismo já havia feito uma inversão dos valores da natureza. Porém, o meu caminho da desobediência inteletual, já havia começado no seminário e, finalmente, encontrava em Nietzsche um mundo incómodo e fascinante. Tive a sorte de muitos anos mais tarde, por mor do ofício de professor de filosofia, durante cerca de dez anos, lecionar ao 12º ano uma das suas obras  - A Origem da Tragédia . Uma escolha que permitia aos alunos experienciar uma obra filosófica e ao professor ler e ajudar a fazer compreender durante dez anos uma obra filosófica e um filósofo extraordinário. Desta vez, revisitando o livro sublinhado e anotado já há muitos anos, Para Além de Bem e Mal.

«Há livros que possuem, para alma e para a saúde, um valor inverso, conforme dele se servem a alma inferior, a força vital inferior ou a alma superior e mais poderosa. No primeiro caso são livros perigosos, corruptores, dissolventes; no segundo caso, apelos de arautos que convidamos mais bravos a manifestar a sua bravura.Os livros de toda a gente são sempre livros mal-cheirosos: a neles odor da gente miúda. Por toda a parte em que o povo fala e bebe, mesmo no sítios onde venera, costuma cheirar mal. Não se deve ir à igreja quando se pretende respirar ar puro». Pg 42

 
Com a força do seu olhar intelectual e da visão de si próprio cresce a distância e, de certo modo, o espaço que circunda o homem: o seu mundo torna-se mais profundo, avistam-se continuamente estrelas novas, imagens novas e novos enigmas. Talvez tudo aquilo em que o olhar do espírito exercitou a sua sagacidade e profundeza tenha sido apenas um pretexto para este exercício, um jogo e uma criancice; E talvez um dia, os conceitos mais solenes, os que provocaram maiores lutas e maiores sofrimentos, os conceitos de Deus e do pecado, não signifiquem, para nós, mais do que um brinquedo e um desgosto de criança significam para um velho, e talvez o velho homem tenha, então, necessidade de um outro brinquedo ainda e e um outro desgosto, por continuar a ser muito criança, eterna criança.! Pg 66

Religião e ciência

Avatar do autor julmar, 01.05.20


     Nicolau Copérnico - biografia do astrônomo polonês - InfoEscola                                                                                                                                                                                          

Isaac Newton - Quotes, Facts & Education - Biography

Como na vida de cada um de nós, também sobre os países, sobre a humanidade se abatem pragas, calamidades, castrátrofes, epidemias. É da natureza da natureza que assim seja e, à parte a fé dos crentes no mundo eterno que há-de vir, assim continuará per omnia saecula seculorum. Sinto um imenso orgulho em pertencer a este planeta, em pertencer à raça humana que, liberta da quadripedia que a amarrava à terra, caminhou errante cravando estupefacta os olhos no firmamento estrelado e que, perdido nessa imensidão, se admirou, se interrogou e, com o medo por dentro e ameaças por fora, procurou respostas no céu. Perdido no universo, impossibilitado de vencer a morte, dotado de imaginação fez a sua primeira grande invenção:os deuses. Sem deuses o homem não teria sobrevivido, não se teria construído como humanidade, como civilização. Por todos os lugares, em todos os tempos se inventam deuses e se constroem lugares de culto porque são os deuses que criam a ordem e guiam os homens. Os homens delegaram nos deuses as suas  vidas e perderam a memória desse começo. Entregaram-se aos deuses em troca de proteção.  Ainda hoje delegamos, fazemos contratos,  pagamos impostos para termos ordem e proteção.  Nenhum povo como o grego, que inventou a filosofia e a democracia, teve consciência da tragédia do homem e da vida: 

"Muitas são as coisas prodigiosas sobre a terra mas nenhuma mais prodigiosa do que o próprio homem. (...) Caça as bestas selvagens e atrai para suas redes habilmente tecidas e astuciosamente estendidas a fauna múltipla do mar, tudo isso ele faz, o homem, esse supremo engenho. (...) Tudo lhe é possível."  (Antígona , Sófocles)

Orgulho-me de ser descendente dessa raça que caminhando sobre dois pés e por ter cravado os olhos no céu descobriu a terra. De facto, foi a olhar para o céu que o homem descobriu a terra, foi a partir da física celeste (a astronomia) que o homem descobriu a física terrestre. A revolução científica começou nos céus e por obra de um clérigo polaco,  de nome Nicolau Copérnico: De Revolutionibus Orbium Coelestium , publicada em 24 de maio de 1543 (precisamente no dia da morte do autor) rompendo com a física de Arsistóteles (tão bela  e tão falsa) contida no livro De Coelo. Uma revolução que parece não ter alarmado a Igreja nem causado conturbação social ou nos meios dos eruditos. Na verdade, não era um trabalho de fácil entendimento quer porque estava escrito em latim, quer porque continha cálculos matemáticos de compreensão acessível a poucos. O problema para a Igreja haveria de surgir apenas cerca de 100 anos mais tarde com Galileu (1564-1642) que não se limitava a fazer descobertas de leis científicas e inventos técnicos mas os publicava e o fazia de modo acessível a que todos pudessem entender, mostrando e demonstrando (Diálogo sobre os dois grandes sistemas do Mundo). O problema de Galileu era que a Igreja  era a detentora do conhecimento não apenas do que se passava no reino de Deus mas também do que se passava no reino dos homens. Acrescia que a doutrina da Igreja estava assente na física de Aristóteles que assentava, por sua vez, no senso comum: Qualquer pessoa, no seu perfeito juízo, sabe que a terra é plana e que o sol anda à volta da Terra. Galileu, para salvar a pele, abjura (negando a verdade do que tão claramente sabia e conforma-se à doutrina da Igreja). 

Cento e um anos depois, 1643 nasce  Isac Newton (1643-1727)  que vem coroar o que designamos como Física Clássica, com a obra Príncípios Matemáticos da Filosofia Natural onde establece  as três  leis que governam este cantinho do universo, o sistema solar. 

Sobre a física contemporânea, tão fora da minha percepção do mundo e da matemática rudimentar de que disponho, leio, entendo pouco e nem  me  atrevo a falar. 

Como as crianças, precisamos que nos contem histórias onde existem fadas e duendes e onde podemos traçar os fins que nos fazem felizes. As religiões contam-nos histórias de como tudo foi, é e será. Provavelmente o homem não pode viver sem contos. Talvez precise de inventar outros contos que dêem certo com as contas, isto é, com a matemática onde reside toda (quase toda?) a ciência.