Socialismo burguês
julmar, 25.01.17
'Somos todos iguais, mas uns são mais iguais que outros´
Orson Welles
O meu sogro morreu uma semana antes do Dr Mário Soares. Ambos morreram pouco tempo depois de completarem 92 anos de idade. Todos os portugueses sabem quem é Mário Soares mas muito poucos sabem quem é António Seixas. Por isso, Mário Soares esteve no hospital da Cruz Vermelha com uma equipa médica a tempo inteiro, nas melhores instalações e com todos os mais sofisticados meios, cuidando da saúde e bem estar. António Seixas estava num lar e a cada agravamento do estado de saúde era chamada a ambulância dos bombeiros que, obrigatoriamente, fazia escala no Centro de Saúde do Sabugal para, em seguida, ser transportado ao hospital da Guarda onde aguardava, por tempo indeterminado, deitado na maca, por atendimento. No hospital não havia lugar para internamento, por isso, ia e voltava a vir repetidamente, até morrer. De uma das vezes, tremia tanto que a médica se apressou a diagnosticar-lhe Parkinson. Mas não, era apenas frio. Muito frio.
Muito se escreveu e muito se escreverá sobre Mário Soares, socialista, republicano e laico. Sobre António Seixas, sem etiquetas políticas ou religiosas, não se escreverá mais do que estas palavras que poucos lerão. Foram iguais no que a natureza se encarrega - no nascimento e na morte e os dois viveram uma longa vida - 92 anos. Um e outro cidadãos portugueses; um e outro obrigados a deixar o país: um para fugir à fome, outro para fugir à prisão. Os dois estiveram, na mesma época, em Paris. Um na Paris das elites, dos museus, dos jardins, das grandes avenidas ensinando na universidade, reunindo e conspirando; o outro no bidonville de Champigny, de ruas lamacentas e barracas feitas no descanso dos domingos, companheiro de um exército operário, construindo o conforto e o luxo dos outros.
Que tem a Paris de Mário Soares a ver com a Champigny de António Seixas? Que tem a ver um com o outro?
Um tem um sonho para todos os homens e para o seu país: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O outro tem um sonho de felicidade para si e para os seus que nunca os homens 'iluminados' enlamearam os sapatos nas ruelas de Champigny para lhes anunciar e explicar a tríade da Revolução Francesa que, além da liberdade e fraternidade, prometia a igualdade entre os homens.
E, claro, os homens doutos, iluminados têm uma interpretação tão complexa desse conceito que os homens do bidonville não teriam inteligência e formação suficiente para a entenderem. Mas têm a sabedoria suficiente para não terem ilusões.