Em Portugal para se ser condecorado não é preciso ser distinto, basta distinguir-se; não é preciso fazer obra valerosa, basta ocupar lugar de relevo, basta aguentar-se em cima da onda, deixar que o tempo dure, deixar que o tempo passe, e, se for necessário, fazer de morto. Antigamente os reis recompensavam os que os serviam com títulos a que correspondiam terras e rendas. Como as terras não há, hoje, quem as trabalhe e ninguém as quer, fazem-se favores em cargos de administração pública ou privada, em reformas doiradas, mais uns subsídios disto ou daquilo,mais um automóvel topo de gama, mais um motorista, mais uma secretária, mais um assento aqui, mais uma cadeira ali numa universidade, mais uma presidência de um instituto ou de uma fundação. Tudo porque seria lamentável perder uma experiência acumulada nos mais supremos cargos de instituições nacionais e internacionais. Homens, para já sobretudo, homens de pouco conhecimento, por vezes mesmo avessa ao conhecimento, mas que têm uma extensa carteira de conhecimentos, uma rede de contatos que lhe permite abrir portas se a diplomacia funcionar, porque, caso contrário, encontra-se logo uma forma de as arrombar para o que têm gente preparada. Infalível: se não resulta o plano A, passa-se ao plano B. Gente que vive de lealdades e favores. Novembro de 2014 - Cavaco condecora Barroso, jovem que na Faculdade de Direito de Lisboa ao mesmo tempo que aprendia as especiosidades da argumentação jurídica, em discursos inflamados jurava levar a classe operária ao poder e escorraçar a burguesia infame e estabelecer o reinado do proletariado numa sociedade igualitária. Mas Durão estava tão à frente da classe operária que a perdeu de vista e, em vez de olhar para trás e para baixo, passou a olhar para a frente e para cima e descobriu que além dos infortúnios da terra existe a ventura celeste. Talvez os pobres possam lá chegar um dia, mas, diz ele, eu tenho que lá estar primeiro, não me vou perder por causa deles. Afinal, chegar lá até foi rápido, até foi fácil. E chega a Primeiro-ministro de um país pequeno. Depois o Deus Bush, convida-o para um retrato, assegurando-lhe que a forma de chegar ao céu, na conjuntura do momento, era através da guerra. E, quem diria, citou-lhe Bush 'Os Lusíadas' ou Pessoa «Quem quer chegar ao Bojador terá de passar além da dor». Sim, senhor, é para já. Depois, sabe-se lá porquê, um convite para Presidente da Comissão Europeia. Durão hesitou entre o amor à pátria que o tinha eleito e um chamamento que de tão grandioso que era só podia ser um chamamento divino. E porque desobediência é o maior dos pecados, talvez o único pecado, não quis incorrer na ira de Deus. Houve mesmo um jornal católico que viu na ida de Durão um desígnio de Deus, por intercessão de Nossa Senhora de Fátima. Soube-se ainda, da maneira que estas coisas se sabem, que o articulista foi chamado ao Bispo e que o caso circulou abafado pelos corredores da Cúria do Vaticano. E com exemplaridade reinou em Bruxelas durante uma década que deixou o reino da Europa muito atrás da concorrência americana e asiática. Dizem que falhou. Cavaco Silva, um Salazar dos tempos modernos, preza como valor superior a família. A família política também. Por isso tudo o que de valeroso acontecia noutras famílias lhe causava inveja e rancor. Foi assim com Saramago, foi assim com José Sócrates, foi assim com Carlos do Carmo. Cavaco Silva exclui quem não pertence aos seus. Com naturalidade condecorou Durão Barroso que abandonou o país e que viu na condecoração recebida a prova de que a sua decisão foi boa, boa para o país. O país está-lhe muito agradecido. Por isso, é tempo de ascender ao cargo mais alto da nação. Novembro de 2016 Barroso condecora Aníbal Cavaco Silva por relevantes serviços prestados à Nação.
«Esta é a ditosa pátria minha amada»