A rua, o largo, a praça, o café e a taberna mudaram para o Facebook. É, por aí, que desfilam opiniões, sentimentos e paixões, críticas frontais e críticas sem rosto. Por aí, passam amigos que já eram nossos amigos e amigos do Facebook. Uma das vantagens ddesta rede social é que a paixão é mediada pela distância que, por si, já permite algum distanciamento e, também, o facto de a comunicação, sendo escrita, permitir uma filtragem de gestos, mímicas, posturas, roncos, rugidos e outros sons da nossa ancestralidade.
A escrita permite uma filtragem da química corporal e do olhar do outro sobre nós. E cada um dos intervenientes procura fazer chegar aos outros a sua melhor imagem: a começar pela foto de perfil, os momentos bons da sua vida, através de fotos de sítios paradisíacos. Uma profusão enorme de imagens, convictos de que vale mais uma imagem do que cem palavras ou por incapacidade de expressão escrita. Porém, um mundo de imagens sem palavra é um mundo de surdos.
Para muitos, o Facebook é a afirmação da sua existência: eu estou ou mostro-me, no Facebook, logo existo. Díríamos que a maneira como cada um se mostra nos ensina sobre o tipo de existência e, com tempo, será possível fazer a descrição das tipologias de tais modos de existência que vão da trivialidade trivial ao pensamento do pensamento. Não há sítio ou site mais democrático e aberto que o Facebook já que não depende do poder económico, do sexo, da religião, da idade, da posição social, da formação académica ou de qualquer situação particular.
Dado que a realidade é feita de matéria (átomos) e comunicação (bytes) - será que há algo mais ou que estas duas coisas são uma só? - a cultura, com a chegada da Internet - está numa mudança altamente acelerada instituindo uma cultura muito diferente do que conhecemos até hoje. O limite é apenas o corpo.
O Facebook é também um lugar privilegiado do não pensamento porque é, sobretudo, o lugar do pensamento feito, nomeadamente, no concernente à ética, enquanto entedimento sobre o modo como devemos - ou sobretudo os outros devem - conduzir as nossas vidas, quase sempre num sentido eudemomista. O manancial de mensagens sobre como ser feliz é tal que, se a felicidade depender disso, só será infeliz quem achar que que a infelicidade é o caminho para a felicidade, como ouvi a ilustres pregadores.
Pensamento feito são máximas, provérbios, ditos e dixotes apropriados a mentes preguiçosas que os pesquisam no google, mais do que nos livros, quase sempre mais para darem um tiro nos outros do que para aplicarem a si mesmos. Tal como vão ao supermercado comprar bens alimentares, assim vão buscar o conhecimento pronto a consumir, ignorando que um conhecimento que não fazemos ou refazemos é um não conhecimento.
Sirva de exemplo o cartaz ilustrativo com que iniciamos o post que, com frequência, passa no Facebook de onde o retirei. O pensamento feito é categórico, afirmativo, taxativo. Divide, como Bush, o mundo entre pessoas boas e más. No caso, divide as pessoas entre idiotas e inteligentes. Obviamente, que nós estamos do lado dos inteligentes. Os idiotas são sempre os outros. Mas, como quem faz esta afirmação não tem dúvidas sobre o que afirma acaba por cair na categoria dos idiotas. Dificilmente se pode ser tão idiota.
Sejam prudentes. Como diz a canção do Sérgio Godinho - Cuidado com as Imitações, quero dizer, com as citações.
Por aqui me fico. Estou em pulgas por ir ver os meus amigos do Facebook.