«A doce voz do avô» - Dr Leal Freire
julmar, 10.01.13
Desde o Eclesiastes bíblico ao filósofo grego Heraclito que somos alertados a tomar consciência da mudança: Tudo passa, tudo muda. Porém, hoje tudo passa tão rápido, é tudo tão efémero, é tão grande a aceleração, é tão vasta a diversidade que se oferece aos nossos sentidos, é tudo tão espetacular que o difícil é parar, reparar e pensar. Tão entregues ao negócio (nec+ótio), desprezamos o ócio que é apontado não como causa mas como uma condicionante do aparecimento da filosofia entre os gregos. Só o vagar nos permite aceder e usufruir da cultura naquilo que ela tem de mais precioso e de mais inútil: A arte e a filosofia. Por falta de tempo, por não termos vagar, por causa da pressa de chegar não sabemos bem aonde, perdemos na nossa senda de caminheiros, preciosidades.
Tudo isto a propósito do poema, inserto neste blog, abaixo – A doce voz do avô – da autoria do Dr. Leal Freire. O poema é de uma beleza extraordinária ao nível da mensagem, do ritmo, da prosódia que me faz lembrar o melhor de Augusto Gil ou de Gomes Leal.
O meu convite, ao leitor, é para que pare. E repare. Experimente dizer o poema em voz alta. Sinta-lhe o peso. Não tenha pressa.
Quantas vezes leu? Vá lá, leia outra vez.
Pedra negra, telha vã,
Postigos de pau de pinho
Caibros queimados do fumo
O chão de frinchas luradas
Noite negra, noite feia,
Freme o vento, rola a neve
É baça a luz da candeia
Bate o cravelho da porta,
É verde o molha da lenha
Enfumado o palheirinho
O caldo que ferve ao lume
Só água e boa vontade
Mas o avô conta coisas
Que excomungam fumo e fome
Douram a neve e o negrume
E fazem da água caldo de anjos.