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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Caro Professor

Avatar do autor julmar, 28.06.12

Carta atribuída a A. Lincoln, enviada ao professor de seu filho

“Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, por cada vilão há um herói, que por cada egoísta, há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que por cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales.

Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos. Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.

Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando esta triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram. Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.

Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.

Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.

Eu sei que estou a pedir muito, mas veja que pode fazer, caro professor.”

Transições – do Secundário ao Superior - Continuidade ou rutura

Avatar do autor julmar, 28.06.12

Conferência Gaia Nascente

Introdução

 

Quero manifestar o meu gosto redobrado por poder estar convosco, pois, não é por obrigação mas por devoção. Um gosto por poder ouvir o Dr António da Fonseca sobre questões importantes para nós enquanto cidadãos e enquanto especialistas que somos em educação.

Um gosto por termos uma oportunidade de aprendizagem.

E pelo tema, que só muito depois de proposto julgo ter visto a sua importância e interesse para os professores - Transições -, que pela sua conotação semântica me arrastou logo para a minha dimensão central de filósofo e para expressão metafísica do PANTA REI (tudo corre) de Heráclito ou à trilogia dialéctica hegeliana da tese, antítese e síntese. Ou, ainda, à elucidativa compreensão etimológica do viajar -via agere - fazer via, fazer caminho que nos reporta ao "Homo Viator" de Gabriel Marcel; ou ainda ao peripatetismo aristotélico como metáfora de rejeição de um ensino imobilista, sedentário, sentado. Bem diferente dos nossos, o teu liceu, Aristóteles!

Sócrates deu-nos o método na procura do saber, mas, doutores que nos tornámos, privilegiamos o ensinar ao aprender. Deu-nos o exemplo de como viver, mas que achamos impraticável num clima de hedonismo consumista e irresistível. Sociedade sofista. Sociedade relativista, não de ausência de valores mas de equiparação de valores sendo o dinheiro o valor que tudo afere.

Já nem sequer é o "homem a medida de todas coisas", como dizia Protágoras, mas o dinheiro. Liberdade, dignidade têm o preço do cifrão, mandando às urtigas a preciosa distinção entre coisas e pessoas do expoente do iluminismo alemão I. Kant.

Temos, hoje, demasiada informação, bastante conhecimento e, crescentemente, menos sabedoria.

Faltam-nos elites cultas que criem sentido para o coletivo das comunidades. Um sentido que se colhe na história e com que se projeta o futuro que o Estado Novo com o enviesamento ideológico, que conhecemos, não descurou.

Na obsessão do combate ao deficit financeiro (como se este não fosse o resultado de todos os outros deficits), na emergência dos problemas que nos afetam, na busca de soluções imediatas ... cortam na formação, no conhecimento, na cultura, na filosofia, na educação artística, nas humanidades, sem contestação.

Por isso, temos comentadores ilustríssimos (vg Ângelo Correia), presidentes de confederações ( vg da Indústria), ministros ( vg da Saúde) a falar latim em inglês - aitems em vez de itens. E será pior ao obrigar ao número de 20 alunos para constituição das turmas de grego e latim.

Perdoem-me esta divagação. Mas isto tem tudo a ver com transições.

Pensei em falar-vos das transições de uma pessoa que como pré-escola guardou cabras, que aprendeu da terra e do gado quanto se pode aprender, em part time, antes e depois da escola e nas férias escolares a tempo inteiro, que era de manhã ao pôr do sol.

Que demorava de viagem para um seminário do Alentejo 24 horas de viagem, três das quais a pé para tomar o combóio. Que sofreu todos os traumas próprios dos internatos - quem quiser entender um pouco leia A Manhã Submersa de Virgílio Ferreira - Estudou  (muito latim, grego também), brincou, rezou, perdeu  a fé para encontrar um deus maior. Foi operário para poder ser filósofo - e teve uma adorável avó que lhe emprestou dinheiro (reembolsados até ao último centavo) para ir para a faculdade. Bacharel encontrou emprego como professor num telefonema de uma cabine telefónica de Oliveira de Azemeis.

Confessou-me ter tido sorte por ter tirado um curso inútil- Filosofia - que, ao tempo, se definia, em termos de graça, como «a coisa com a qual ou sem a qual a gente fica tal e qual». Sorte por ter sido professor de Português, de História, de Antropologia, de Sociologia, de Psicologia, de Estudos Sociais, por ter sido professor no Ensino Especial e no Ensino Superior, mas, sobretudo, por ter sido professor de filosofia.

Ele é um apreciador de coisas inúteis, de coisas que não servem para nada como a filosofia e a arte. Aprendi com ele coisas simples e importantes:

Disse-me, há muitos anos, que não faz sentido querer mudar o mundo sem começarmos por nós. Que precisamos de aprender sempre, todos os dias e que há dois modos de o fazer: com as pessoas e com os livros.

Que não basta fazer as coisas mais ou menos, mas que é preciso fazê-las bem, que é preciso ter como objetivo a excelência, a menos que nos resignemos à mediania.

A educação é demasiado importante para ficar no mais ou menos.

Que não há desculpa para fazer sempre melhor.

Claro que a maioria há-de situar-se sempre na mediania. A excelência requer muito treino, muita prática deliberada. É isso que as nossas escolas precisam.

É essa a oferta que tem de ser feita aos alunos. Precisam de saber que podem ser excelentes, precisamos de lhes indicar o caminho.

Este meu amigo é um caso que, como ele diz, contraria o determinismo sociológico.

Costuma dizer-me que tem sorte.

Eu acho que ele trabalha para a ter. Sorte, tenho eu, em ter um amigo assim.

Júlio Marques

'Aprender a Ver'

Avatar do autor julmar, 23.06.12

Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence. 

Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos

Carta aberta ao ministro Nuno Crato - Santana Castilho*

Avatar do autor julmar, 22.06.12

Senhor ministro:

Como sabe, uma carta aberta é um recurso retórico. Uso-o, agora que se cumpre um ano sobre a sua tomada de posse, para lhe manifestar indignação pelas opções erradas que vem tomando e fazem de si um simples predador do futuro da escola pública. Se se sentir injustiçado com a argumentação que se segue, tenha a coragem de marcar o contraditório, a que não me furto. Por uma vez, saia do conforto dos seus indefectíveis, porque é pena que nenhuma televisão o tenha confrontado, ainda, com alguém que lhe dissesse, na cara, o que a verdade reclama.

Comecemos pelo programa de Governo a que pertence. Sob a epígrafe “Confiança, Responsabilidade, Abertura”, garantia-nos que “… nada se fará sem que se firme um pacto de confiança entre o Governo e os portugueses … “ e asseverava, logo de seguida, que desenvolveria connosco uma “relação adulta” (página 3). E que outra relação, senão adulta, seria admissível? O que se seguiu foi violento, mas esclarecedor. O homem que havia interrogado o país sobre a continuidade de um primeiro-ministro que mentia, referindo-se a Sócrates, rápido se revelou mais mentiroso que o antecessor. E o senhor foi igualmente célere em esquecer tudo o que tinha afirmado enquanto crítico do sistema. Não me refiro ao que escreveu e disse quando era membro da Comissão Permanente do Conselho Nacional da UDP. Falo daquilo que defendia no “Plano Inclinado”, pouco tempo antes de ser ministro. Ambos, Passos Coelho e o senhor, rapidamente me reconduziram a Torga, que parafraseio: não há entendimento possível entre nós; separa-nos um fosso da largura da verdade; ouvir-vos é ouvir papagaios insinceros.

Para o Governo a que o senhor pertence, a Educação é uma inevitabilidade, que não uma necessidade. Ao mesmo tempo que a OCDE nos arruma na cauda dos países com maiores desigualdades sociais, lembrando-nos que só o investimento precoce nas pessoas promove o desenvolvimento das sociedades, Passos Coelho encarregou-o, e o senhor aceitou, de recuperar o horizonte de Salazar e de a reduzir a uma lógica melhorada do aprender a ler, escrever e contar. Sob a visão estreita de ambos, estamos hoje, em relação a ela, com a mais baixa taxa de esforço do país em 38 anos de democracia.

O conflito insanável entre Crato crítico e Crato ministro foi eloquentemente explicado no último domingo de Julho de 2011, no programa do seu amigo, professor Marcelo. Sujeito a perguntas indigentes, o senhor só falou, sem nada dizer, com uma excepção: estabeleceu bem a diferença entre estar no Governo e estar de fora. Quando se está no Governo, afirmou, “tem de se saber fazer as coisas”; quando se está de fora, esclareceu, apresentam-se “críticas e sugestões, independentemente da oportunidade”. Fiquei esclarecido e acedi ao seu pedido, implícito, para arquivarmos o crítico. Mas é tempo de recordar algumas coisas que tem sabido fazer e que relações adultas estabeleceu connosco.

A sua pérola maior é o prolixo documento com que vai provocar a desorganização do próximo ano lectivo, marcado pela obsessão de despedir professores. Autocraticamente, o senhor aumentou o horário de trabalho dos professores, redefinindo o que se entende por tempos lectivos; reduziu brutalmente as horas disponíveis para gerir as escolas, efeito que será ampliado pela loucura dos giga-agrupamentos; cortou o tempo, que já era exíguo, para os professores exercerem as direcções das turmas; amputou um tempo ao desporto escolar; e determinou que os docentes passem a poder leccionar qualquer disciplina, de ciclos ou níveis diferentes, independentemente do grupo de recrutamento, desde que exista “certificação de idoneidade”, forma prosaica de dizer que vale tudo logo que os directores alinhem. Consegue dormir tranquilo, desalmado que se apresenta, perante um cenário de despedimento de milhares de professores?

O despacho em apreço bolsa autonomia de cada artigo. Mas é uma autonomia cínica, como todas as suas políticas. Uma autonomia decretada, envenenada por normas, disposições, critérios e limites. Uma autonomia centralizadora, reguladora, castradora, afinal tão ao jeito do marxismo-leninismo em que o senhor debutou politicamente. Poupe-nos ao disfarce de transferir para o director (que não é a escola), competências blindadas por uma burocracia refinada, que dizia querer implodir e que chega ao supino da cretinice com a fórmula com que passará à imortalidade kafkiana: CT=K x CAP + EFI + T, em que K é um factor inerente às características da escola, CAP um indicador da capacidade de gestão de recursos humanos, EFI um indicador de eficácia educativa (pergunte-se ao diabo ou ao Tiririca o que isso é) e T um parâmetro resultante do número de turmas da escola ou agrupamento. Por menos, mentes sãs foram exiladas em manicómios.

Senhor ministro, vai adiantada esta carta, mas a sua “reorganização curricular” não passará por entre as minhas linhas como tem passado de fininho pela bonomia da comunicação social. O rigor que apregoa mas não pratica, teria imposto o único processo sério que todos conhecem: primeiro ter-se-iam definido as metas de chegada para os diferentes ciclos do sistema de ensino; depois, ter-se-ia desenhado a matriz das disciplinas adequadas e os programas respectivos; e só no fim nos ocuparíamos das cargas horárias que os cumprissem. O senhor inverteu levianamente o processo e actuou como um sapateiro a quem obrigassem a decidir sobre currículo: fixou as horas lectivas e anunciou que ia pensar nas metas, sem tocar nos programas. Lamento a crueza mas o senhor, que sobranceiramente chamou ocultas às ciências da educação, perdeu a face e virou bruxo no momento de actuar: simplesmente achou. O que a propósito disse foi vago e inaceitavelmente simplista. O que são “disciplinas estruturantes” e por que são as que o senhor decretou e não outras? Quais são os “conhecimentos fundamentais”? O que são o “ensino moderno e exigente” ou a “redução do controlo central do sistema educativo”, senão versões novas do “eduquês”, agora em dialecto “cratês”? Mas o seu fito não escapa, naturalmente, aos que estão atentos: despedir e subtrair à Educação para adicionar à banca.

Duas palavras, senhor ministro, sobre o Estatuto do Aluno. É preciso topete para lhe acrescentar a Ética Escolar. Lembra-se da sua primeira medida, visando alunos? Eu recordo-lha: foi abolir o prémio para os melhores, instituído pelo Governo anterior. Quando o senhor revogou, já os factos que obrigavam ao cumprimento do prometido se tinham verificado. O senhor podia revogar para futuro. Mas não podia deixar de cumprir o que estava vencido. Que aconteceu à ética quando retirou, na véspera de serem recebidos, os prémios prometidos aos alunos? Que ética lhe permitiu que a solidariedade fosse imposta por decreto e assente na espoliação? Que imagem da justiça e do rigor terão retirado os alunos, os melhores e os seus colegas, do comportamento de que os primeiros foram vítimas? Terão ou não sobeja razão para não acreditarem nos que governam e para lamentarem a confiança que dispensaram aos professores que, durante 12 anos, lhes ensinaram que a primeira obrigação das pessoas sérias é honrar os compromissos assumidos? Não é isso o que os senhores hoje invocam quando reverenciam Sua Santidade a Troika? Da sua ética voltámos a dar nota quando obrigou jovens com necessidades educativas especiais a sujeitarem-se a exames nacionais, em circunstâncias que não respeitam o seu perfil de funcionalidade, com o cinismo cauteloso de os retirar depois do tratamento estatístico dos resultados. Ou quando, dias antes das inscrições nos exames do 12º ano, mudou as respectivas regras, ferindo de morte a confiança que qualquer estudante devia ter no Estado. Ou, ainda, quando, por mais acertada que fosse a mudança, ela ocorreu a mais de meio do ano-lectivo (condições de acesso ao ensino superior por parte de alunos do ensino recorrente). Compreenderá que sorria ironicamente quando acrescenta a Ética Escolar a um Estatuto do Aluno assente no castigo, forma populista de banir os sintomas sem a mínima preocupação de identificar as causas. Reconheço, todavia, a sua coerência neste campo: retirar os livros escolares a quem falta em excesso ou multar quem não quer ir à escola e não tem dinheiro para pagar a multa, fará tanto pela qualidade da Educação como dar mais meios às escolas que tiverem melhores resultados e retirá-los às que exibam dificuldades. Perdoar-me-á a franqueza, mas vejo-o como um relapso preguiçoso político, que não sabe o que é uma escola nem procurou aprender algo útil neste ano de funções.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt

 

Vitam regit sapientia, non fortuna ( do blog De Rerum Natura)

Avatar do autor julmar, 21.06.12

Todos sabemos dos problemas financeiros do país – que muitas vezes servem somente de desculpa e pretexto para muitas decisões que fazem parte de agendas ideológicas ou programáticas cada vez menos bem disfarçadas, sendo o desprezo por uma formação de ponta posta à disposição de ricos e pobres um dos pontos dessa agenda –, mas seria relativamente simples, assumida politicamente a relevância da questão (ablativo absoluto), pensar em medidas que impedissem a morte definitiva das disciplinas de Latim e Grego. Falo de medidas simples, não estrondosamente caras, inteiramente justificadas, como, p. ex., assegurar-se que, dentro de certas circunscrições geográficas e administrativas, a regra dos 20 alunos por turma pudesse ser flexibilizada (permitindo, p. ex., que em cada distrito ou concelho, ou em cada agrupamento de escolas, ou dentro de um raio quilométrico a definir, houvesse pelo menos uma escola a oferecer aos alunos interessados, ainda que em número inferior a 20, a possibilidade de se matricularem em Latim e Grego, e canalizando para essas escolas os alunos a quem, nas outras escolas das redondezas, não fosse dada essa opção). Ponto final.

Não o fazendo, além do prejuízo cultural que isso acarreta – digo sem qualquer sombra de dúvida que, se se consumar (como tudo indica que vai acontecer) a extinção definitiva do Latim e do Grego nas escolas secundárias do país, o sistema educativo e os seus responsáveis e decisores ficarão para a História como cúmplices e coautores de um retrocesso civilizacional e cultural – , estaremos, ainda por cima, a menosprezar e a desperdiçar o mérito profissional de centenas de excelentes profissionais. É preciso recordar que Portugal, que nem sempre foi assim, conta com uma longa e frutífera tradição de formação de professores de Português, Latim e Grego, dos melhores que se podem encontrar no mundo (sei do que estou a falar), a quem pura e simplesmente não é dada oportunidade de mostrar o que valem e de multiplicar o seu saber e a excelência profissional que detêm. Centenas de jovens desejosos de aprender Latim e Grego, com professores que os ensinariam admiravelmente, ficam assim impedidos de aceder a um recurso de exceção – tantas vezes desperdiçadamente direcionado para o ensino de outras matérias ou para o desempenho de tarefas não docentes que pouco contribuem para a melhoria do nível cultural da população.

Perante este cenário de definhamento e apagamento de uma área de conhecimento importante, não tenho quaisquer dúvidas em dizê-lo: daqui a uma geração, quando precisarmos de latinistas e helenistas – nenhum país “civilizado” os dispensa –, iremos importá-los, quiçá de países onde se falam línguas não românicas e/ou de países sem a herança greco-latina que caracteriza a nossa matriz civilizacional, e iremos deixar a nu o vergonhoso resultado de uma política míope e nada esclarecida.

Lamento que este tema não suscite maior debate nem maior interesse. É o reflexo da indiferença dos portugueses em geral pelas questões culturais, que, enquanto profissional da área, sinto de forma mais aguda no que toca ao “saber humanístico”. Como diziam hoje dois pais à porta da escola aonde fui deixar o meu filho mais novo, que fez a prova nacional de Língua Portuguesa, 6º ano: “hoje é fácil, é Português, não é preciso estudar; o pior é na quinta; Matemática é difícil, mas eu já disse ao meu: «não te preocupes com a Matemática; aquilo é mesmo difícil; tu tiras nega mas no país todos tiram»”. Ou como dizem alguns professores do meu mais velho (como também a mim mo disseram noutros tempos) : “Tu, com essas notas, vais para Letras?”. Em resumo: as humanidades são coisa fácil, que não exige esforço, são o refugo dos menos capacitados. As “ciências” sim, são difíceis, mas consolemo-nos, não vale a pena investir muito nelas porque é difícil para todos e o fracasso generalizado não nos deve envergonhar. Com este pano de fundo, a Escola não pode ficar quieta!

Com este pano de fundo, o que é verdadeiramente admirável é que um aluno português, um dos cento e poucos que ainda conseguiram estudar Latim numa escola pública portuguesa nos últimos dois anos, tenha ganho o prémio de melhor aluno europeu de Latim. Batendo-se com os melhores dos melhores no “Certamen Horatianum”, trouxe para Portugal a medalha de ouro. Chama-se António Gil Cucu, é aluno de uma das escolas em que eu próprio estudei Latim – Escola Secundária Rodrigues de Freitas, no Porto –, não ganhará nunca nem a admiração histérica nem os milhões que ganham os ídolos do futebol (muitos deles casos flagrantes de insucesso ou abandono escolar precoce). Porém, são-lhe devidas todas as honras e todas as medalhas que os jovens que prometem um futuro melhor para o nosso país deveriam receber. É a prova do que disse mais acima: Portugal tem dos melhores professores de Latim e Grego do mundo – é só deixá-los ensinar Latim e Grego.

João Veloso

Ontem como hoje

Avatar do autor julmar, 21.06.12

Um Povo Resignado e Dois Partidos sem IdeiasUm povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.

Guerra Junqueiro, in 'Pátria (1896)'
Tema(s): Portugal  Ler outros pensamentos de Abílio de Guerra Junqueiro 

O Porto - Rafael

Avatar do autor julmar, 18.06.12

O Porto é um navio ancorado na margem norte do Douro. Faz da Sé mastro e desce à Ribeira, convés onde as águas se deixam penetrar por pontes que trazem o calor do sul no solstício. A canalha desce de fundos em S. João Novo na vertigem dos rodízios, catraias às costas, inocência pura que um dia há-de amadurecer atrás de um portal velho, num canto da igreja de Miragaia ou, se houver sol, nos jardins do Palácio, onde o amor é perfumado. O Porto tem jardins camarotes onde se imaginam memórias que podiam ter sido de outra maneira, com pequenas vigias de roseiras, japoneiras ou até ciprestes: do Carregal a S. Lázaro, do Marquês à Arca d'Água.
Do fumo do túnel de S. Bento, o comboio deixa esvoaçar o branco chapéu do chefe, pomba da paz que anuncia a cidade do trabalho, direito de quem vem e acaba por ficar entre os lençóis estendidos ao sol no Barredo, onde os leitos são abençoados pelas almas da Ponte e pela Senhora da Vandoma que o pintor leva consigo na alma de uma tela.
O Porto equilibra-se numa linha de horizonte de Nasoni e da torre dos Clérigos. Ouve o ferro e o granito a namorar. Cheira ao estrugido do arroz das ilhas por volta das oito e meia da noite. Navega de cabelo molhado pelo nevoeiro até à Foz, pendurado no vento e no canto dum verso do Eugénio.

Rafael Tormenta

Lendo sobre o Talento

Avatar do autor julmar, 09.06.12

 

«O que realmente gostaríamos de saber não é o que nos trava, mas o que faz com que algumas pessoas vão muito mais além d que outras. E o que descobrimos até agora não é o que faz com que algumas pessoas sejam excelentes mas o que faz com que o não sejam. Mais especificamente:

  • Não é a experiência. Para além de estarmos cercados por pessoas altamente experientes que não estão sequer perto da excelência naquilo que fazem, também comprovámos que algumas num vasto leque de áreas, na realidade pioram após vários anos a desempenharem a mesma função
  • Não são capacidades inatas específicas. Vimos extensas provas que questionam a existência dessas capacidades e, mesmo se algumas delas potenciam a excelência, certamente não a determinam. Quem parece possuir essas características não atinge necessariamente um desempenho de excelência. E vimos muitos exemplos de pessoas que não exibem quaisquer sinais desse tempo de capacidades que conseguiram ter um sucesso extraordinário.
  • Não são as capacidades gerais como a inteligência e a memória. A investigação concluiu que, em muitas áreas, a relação entre inteligência e desempenho é fraca ou inexistente. Pessoas com um QI modesto têm por vezes desempenhos excepcionais, enquanto pessoas com um QI elevado não passam da mediocridade. A memória parece ser, claramente, adquirida.

Concluindo, resumimos o que não potencia o desempenho de excelência. Então, o que potencia?»

In, O Talento não é tudo – Geoff Colvin- pg 60-61