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«O homem está ali parado, no meio do passeio, com a sua estupenda saúde, a sua sólida cabeça, tão sólida que nem mesmo agora lhe dói apesar do terrível choque, de repente o mundo deixou de lhe pertencer ou ele de pertencer ao mundo, passaram a estar emprestados um ao outro por oito dias, di-lo esta carta de cor violeta que resignadamente acaba de abrir, os olhos nublados de lágrimas mal conseguem decifrar o que nela está escrito, caro senhor, lamento comunicar-lhe que a sua vida acabará no prazo irrevogável de uma semana, aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte. A assinatura vem com inicial minúscula, o que, como sabemos, representa de alguma forma, o seu certificado de origem. Duvida o homem, senhor fulano lhe chamou o carteiro, portanto é do sexo masculino, e logo o confirmámos nós próprios, duvida o homem se deverá voltar para casa e desabafar com a família a irremediável pena, ou, se, pelo contrário, terá de engolir lágrimas e prosseguir o seu caminho, ir aonde o trabalho o espera, cumprir todos os dias que lhe restam, então poderá perguntar Morte onde esteve a tua vitória, sabendo no entanto que não receberá resposta, porque a morte nunca responde, e não é porque não queira, é só porque não sabe o que há-de dizer diante da maior dor humana»
In, As Intermitências da Morte