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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

O que é ou quem é um bom professor? (In Terrear)

Avatar do autor julmar, 30.09.09

 
Maria Elvira Callapez

É comum ouvirmos expressões como “tive um excelente professor”, “o professor tal influenciou-me bastante”, “nunca mais me esquecerei daquele professor”, “que saudades daquelas aulas”... Então, quem é, ou quem são esses bons professores? Do que é que guardamos memória? Quem elegemos como bons professores? Que qualidades procuramos num bom professor? Quem pode decidir objectivamente o que é um bom professor e com base em quê?

Será consensual admitir que quando definimos um bom ou mau professor, fazemo-lo com base na nossa experiência pessoal, apesar de existirem muitos estudos sobre o assunto que, segundo Ornstein, têm falhado em produzir resultados úteis, ou porque confirmam o senso comum, ou porque parecem ser altamente questionáveis. Embora não seja fácil definir um padrão de personalidade de um bom professor, há seguramente razões para acreditar que os bons professores exibem características pessoais únicas e que por vezes “há um padrão consistente na descrição de um bom professor: é competente na matéria, preocupa-se profundamente com o sucesso e carácter dos alunos e tem um cunho distinto”.

Ou seja, “embora não se possa reduzir uma lista particular de comportamentos do professor a uma fórmula, reconhece-se que a capacidade intelectual e o conhecimento das matérias são importantes factores para julgar o sucesso de um professor.” Para além das capacidades intelectuais, que outros atributos pessoais deve um bom professor possuir para o bom ensino?
Tem-se assistido nos últimos tempos a uma agitação à volta das questões educativas, nomeadamente, sobre a qualidade do ensino e dos professores. Em conversa com uma colega, Marita Hübner, investigadora de pós doutoramento na University of California, Berkeley, sobre o que se poderia considerar “um bom professor”, respondeu-me ela com o seguinte episódio:
 
“quando iniciei os meus estudos de mestrado em Filosofia numa universidade alemã, no final dos anos 90, escolhi as aulas de um dos professores mais cotados na área.
Quando cheguei à sala, misturei-me com os 45 candidatos ao curso e o professor disse-nos: vocês são muitos, as minhas expectativas em vocês são grandes e muitos de vocês não terão capacidade de as satisfazer, com toda a certeza. Continuou ela o relato: este professor era candidato a ministro da cultura.

Face ao seu recado, o mesmo número de alunos, os mesmos alunos, na mesma sala, foram conhecer o outro professor da cadeira que lhes disse: a sala é bastante pequena, vamos dividir-nos em dois grupos e assim poderemos trabalhar bem melhor. A grande maioria dos alunos não teve dúvidas em escolher este professor, aparentemente, o número dois ou três, preterindo o número um, pelo menos reconhecido como tal”.
 
Tendo presente que na interacção professor-aluno há a considerar factores como a subjectividade e a sensibilidade que resultam dessa relação, como se poderá interpretar esta diferença de atitudes, comportamentos por parte de cada um destes professores? Será que um é o bom e o outro é o mau? Sem dúvida que tentar definir com toda a certeza o que é um bom professor é difícil, é complexo e alguns investigadores no campo da educação admitem até que “we do not know how to define, prepare for, or measure teacher competence.”

Algumas definições clássicas afirmam que um bom professor “é um verdadeiro académico, eficiente, trabalhador, imaginativo, objectivo, humano e cavalheiro.” Outras consideram que as qualificações de um bom professor passam por “dominar completamente a sua matéria, gostar genuinamente da sua matéria e dos seus alunos como seres humanos ” para além de dever ser “física, emocional e intelectualmente robusto”. Há quem defenda que o bom professor para ser altamente qualificado, deveria possuir, no mínimo, o doutoramento.

É certo que existem várias objecções a este ponto de vista, porque alguns dizem que determinadas pessoas formalmente menos qualificadas detêm uma invulgar capacidade, atingindo níveis de reputação, prestígio e competência comparáveis aos que dedicaram anos à investigação para adquirirem o grau de doutor. Embora estejamos cientes de que o número destes casos é reduzido, há que dar o merecido “crédito a essas excepções, quando elas aparecem”.
 
Há um rol de atributos sobre o que é um bom professor. Certas investigações notam que a classificação desses atributos depende dos tempos, das gerações, das universidades, escolas, supervisores, professores das ciências da educação, alunos dos ensinos básico, secundário e superior. Se, em determinada altura, se valorizam os professores cujos alunos passam nos exames nacionais, noutras (anos 80) os bons professores eram, por exemplo, os que seguiam as receitas de Madeline Hunter para alcançar o sucesso.

Algumas visões dividem, ainda, os bons professores de acordo com uma “taxonomia de qualidades” como, em resumo, as seguintes variantes demonstram: “1 - IDEAL teachers meet standards set by school principals, supervisors, and education professors. 2 - ANALYTIC teachers use observation techniques to record how well they are meeting their instructional intentions. 3 - EFFECTIVE teachers bring about higher student achievement. 4 - DUTIFUL teachers perform assigned teaching duties well. 5 - COMPETENT teachers pass tests that indicate they possess requisite teacher attributes. 6 - EXPERT teachers have extensive and accessible knowledge and can do more in less time. 7 - REFLECTIVE teachers examine the art and science of teaching to become more thoughtful practitioners. 8 - SATISFYING teachers please students, parents or caregivers, colleagues, supervisors, and administrators. 9 - DIVERSITY-RESPONSIVE teachers are sensitive to all students. 10 - RESPECTED teachers possess and demonstrate qualities regarded as virtues.”

Ou seja: “1 - O professor ideal satisfaz os padrões subjectivos de excelência determinados e seleccionados por outros e por isso pode levantar problemas e gerar desacordos. As características de um professor ideal são: atitude profissional, criatividade, controle das aulas, planeamento, personalidade e compreensão dos alunos. Outros atributos incluem flexibilidade, estabilidade emocional, comportamento ético, expressividade, energia e magnetismo pessoal. 2 – O professor analítico é aquele que, durante as aulas, é examinado/avaliado de acordo com as práticas e técnicas que utiliza, com as interacções professor-aluno, nomeadamente, sobre o assunto e o tempo gasto a expô-lo, quer por parte do professor, quer por parte dos alunos, assim como a extensão e natureza do silêncio dos alunos. 3 – O professor eficaz olha atentamente para as actividades dos seus alunos, é receptivo e encorajador, imparcial/justo, desafiador e entusiasta.
4 – O professor zeloso tem conhecimento das matérias, da escola e da comunidade. 5 – O professor competente sabe planear os cursos, implementar os programas, avaliar e classificar os estudantes, comunicar e realizar tarefas administrativas. 6 – O professor especialista/perito, comparativamente aos não “peritos”, faz mais em menos tempo e é capaz de chegar a novas soluções para os problemas. Por isso, a “perícia” é mais do que experiência. Os professores podem ser mais experientes e terem menos “perícia” do que alguns mais novos. 7 – O professor introspectivo tem um manifesto interesse em aprender sobre a arte e a ciência do ensino e autoavaliar-se enquanto professor. É introspectivo, analisa a sua própria prática de ensino e procura um melhor entendimento do ensino através da leitura de revistas e livros científicos e profissionais, incluindo biografias de professores. 8 - O professor motivado agrada aos alunos, aos pais ou encarregados de educação, coopera com os colegas e com os supervisores. 9 - O professor paternalista é particularmente sensível aos estudantes que são cultural, social, económica, intelectual, física e emocionalmente diferentes. Ajuda os estudantes a melhorar as suas vidas, tanto dentro como fora da sala de aula. 10 – O professor respeitável/reputado destaca-se pela competência na matéria, pelo interesse no sucesso dos alunos e pelo seu carácter distinto. Possui também outras apreciadas qualidades como: honestidade, decência, justiça, devoção, empatia, altruísmo e determinação.

Ora, face às múltiplas definições sobre as qualidades e credenciais do bom professor aqui descritas, é bom estarmos conscientes de que “num mundo utópico os professores demonstrariam e possuiriam todas as virtudes e visões aqui listadas. No mundo real, temos que aprender como reconhecer e como avaliar os vários modelos que os professores podem seguir para serem bons professores”.
E quanto aos alunos? O que pensam eles dos bons professores?
 
Diz-se que o “professor ensina e o aluno aprende”. Todavia, na relação professor-aluno há a considerar diversos factores que influenciam o quanto e como efectivamente o aluno aprende na medida em que nenhuma relação professor-aluno é indiferente e sem significado. “O professor e o aluno interagem, tanto positiva como negativamente e a natureza desta interacção determinará em larga medida a aprendizagem do aluno”.
Sabe-se que os bons professores são a chave para o sucesso em qualquer escola, mas para os alunos fazem a diferença aqueles que eles consideram como os professores “estrela”, os de topo. São os que trazem “magia” para as suas salas de aulas todos os dias. Dizem os estudos que estes professores não se contentam apenas com os resultados que os seus alunos alcançam, mas que também se autoavaliam, encorajam-se a si e a toda a gente à sua volta. Como tal, a sua influência poderá ir para além das suas salas de aula, contribuindo positivamente para moldar a cultura das suas escolas.
Bem sabemos que ao longo dos nossos cursos assistimos a aulas desinteressantes e enfadonhas, que contrastavam com aquelas em que nem lugar tínhamos para nos sentar.
Obviamente que as aulas que maior impacto tiveram em nós foram aquelas dadas com entusiasmo, em que não só apreciávamos a boa preparação do assunto, mas também o estilo contagiante como era apresentado.
Estas aulas não eram regurgitadas, mas sim inovadoras, estimulantes, provocadoras e responsáveis pelo alargamento de horizontes e novas ideias.
O bom professor manifesta alegria pela qualidade e diversidade de materiais que utiliza nas suas aulas. Depois de ensinar um assunto durante muitos anos não se limita a utilizar as mesmas notas, os mesmos apontamentos das folhas já amarelecidas, mas preocupa-se sim em introduzir inovações, actualizações, tendo presente a importância da confrontação de ideias, da história das ideias e dos conhecimentos. Isto é, empenha-se em esclarecer como alcançámos o nível actual de conhecimentos.
Estes bons professores deixam marcas preciosas. Por vezes um bom professor pode mudar a vida do estudante. Certamente que muitos de nós sentimos a influência deste ou daquele professor, não só nas nossas carreiras profissionais, mas também pessoais. Ser um bom professor é necessariamente ter um interesse genuíno nos estudantes.
Em suma, pese embora a complexidade das funções daquele que é considerado o “bom professor”, não podemos, enquanto professores, deixar que os nossos defeitos, qualidades e méritos não sejam avaliados e julgados. O que nos leva a pensar que somos “bons professores”? Diz Carnahan que “todos precisamos de parar de vez em quando e fazer um estudo frio e distante de nós próprios e dos nossos métodos com a intenção deliberada de encontrar defeitos e rectificá-los”.

Referências:


- Allan C. Ornstein, “Can We Define a Good Teacher?”, Peabody Journal of Education, Vol. 53, No. 3, April, 1976, pp. 201-207.

- Christopher G. Reed, “What Makes a Good Teacher?”, BioScience, Vol. 39, No. 8, September, 1989, pp. 555-557.

- D. H. Carnahan, “Good Teaching”, The Modern Language Journal, Vol. 8, No. 7, April, 1924, pp. 405-415.

- Donald R. Cruickshank and Donald Haefele, “Good teachers”, plural, Educational Leadership, Vol. 58, No. 5, February 2001, pp. 26-31.

- Elizabeth A. Bregg, “How Can We Help Students Learn?”, The American Journal of Nursing, Vol. 58, No. 8, August, 1958, pp. 1120-1122.

- Mary M. Kennedy, “Sorting Out Teacher Quality”, Phi Delta Kappan, September 2008, pp. 59-63.

- Robert M. Davies, “The Effective Teacher”, The Journal of Higher Education, May 1957, pp. 239-245.

- Symonds, Percival M., Personality of the Teacher , Journal of Educational Research, Vol. 40 (1946/1947), pp. 652-661.

- Thomas C. Donnelly, “Who is a Good Teacher?”, The Journal of Higher Education, Vol. 22, No. 6, June, 1951, pp. 304-343.

- Thomas R. Hoerr, “Thanking Your Stars”, Educational Leadership, Vol. 64, No. 4 December 2006/January 2007, pp. 90-91.

 

 
(e via e-mail, com agradecimento a SR)

 

Que é o Iluminismo? Lendo Kant (in Terrear)

Avatar do autor julmar, 25.09.09

Leitura com particular utilidade em vésperas de eleições

«O iluminismo é a saída do homem da menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo.

A preguiça e a cobardia são causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio, continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores.

É tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide a dieta, então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a maioria dos homens considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de boa vontade tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de, primeiro, terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim muito bem a andar. Só que um tal exemplo intimida e, em geral, gera pavor perante todas as tentativas ulteriores.

É, pois, difícil a cada homem desprender-se da menoridade que se lhe tornou / quase uma natureza. Até lhe ganhou amor e é por agora realmente incapaz de se servir do seu próprio entendimento, porque nunca se lhe permitiu fazer uma tal tentativa. Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional ou, antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado a este movimento livre. São pois, muito poucos apenas os que conseguiram mediante a transformação do seu espírito arrancar-se à menoridade e iniciar então um andamento seguro.

(…) Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que liberdade; e claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Mas agora ouço gritar de todos os lados: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita!

(…) Mas qual é a restrição que se opõe ao iluminismo? Qual a restrição que não o impede, mas antes o fomenta? Respondo: o uso público da nossa razão deve sempre ser livre e só ele pode levar a cabo a ilustração entre os homens; o uso privado da razão pode, porém, muitas vezes coarctar – se fortemente sem que, no entanto, se impeça por isso notavelmente o progresso da ilustração.»


Kant. A Paz Perpétua e Outros Opúsculos

 

Lendo Padre António Vieira

Avatar do autor julmar, 22.09.09

Na  abertura de uma acção de formação de professores sobre a escrita, pareceu-me oportuno recordar-lhes este magnífico texto. Acho poder ser feita uma paráfrase perfeita com o ensinar a escrever. 

 

«Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
 
O mesmo será cá, se a vossa indústria não faltar à graça divina. É uma pedra, como dizeis, esse índio rude? Pois trabalhai e continuai com ele (que nada se faz sem trabalho e perseverança), aplicai o cinzel um dia e outro dia, daí uma martelada e outra martelada, e vós vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis, não só um homem, senão um cristão, e pode ser que um santo.»
Padre António Vieira, (s.XVII) , pregando em defesa dos índios brasileiros - in Sermão do Espírito Santo

Lendo Blaise Pascal

Avatar do autor julmar, 21.09.09

«Uma vez que não podemos ser universais e saber tudo quanto se pode saber acerca de tudo, é preciso saber-se um pouco de tudo, pois é melhor saber-se alguma coisa de tudo do que saber-se tudo apenas de uma coisa»

Os Poemas da minha vida

Avatar do autor julmar, 16.09.09

Dois Excertos de Odes

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,

Noite Rainha nascida destronada,

Noite igual por dentro ao silêncio, Noite

Com as estrelas lentejoulas rápidas

No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,

Vem, levemente,

Vem sozinha, solene, com as mãos caídas

Ao teu lado, vem

E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,

Funde num campo teu todos os campos que vejo,

Faze da montanha um bloco só do teu corpo,

Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,

Todas as estradas que a sobem,

Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.

Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,

E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,

Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,

Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora

Das coisas impossíveis que procuramos em vão,

Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,

Dos propósitos que nos acariciam

Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas

Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,

E que doem por sabermos que nunca os realizaremos...

Vem, e embala-nos,

Vem e afaga-nos.

Beija-nos silenciosamente na fronte,

Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam

Senão por uma diferença na alma.

E um vago soluço partindo melodiosamente

Do antiquíssimo de nós

Onde têm raiz todas essas árvores de maravilha

Cujos frutos são os sonhos que afagamos e amamos

Porque os sabemos fora de relação com o que há na vida.

Vem soleníssima,

Soleníssima e cheia

De uma oculta vontade de soluçar,

Talvez porque a alma é grande e a vida pequena,

E todos os gestos não saem do nosso corpo

E só alcançamos onde o nosso braço chega,

E só vemos até onde chega o nosso olhar.

Vem, dolorosa,

Mater-Dolorosa das Angústias dos Tímidos,

Turris-Eburnea das Tristezas dos Desprezados,

Mão fresca sobre a testa em febre dos humildes,

Sabor de água sobre os lábios secos dos Cansados.

Vem, lá do fundo

Do horizonte lívido,

Vem e arranca-me

Do solo de angústia e de inutilidade

Onde vicejo.

Apanha-me do meu solo, malmequer esquecido,

Folha a folha lê em mim não sei que sina

E desfolha-me para teu agrado,

Para teu agrado silencioso e fresco.

Uma folha de mim lança para o Norte,

Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;

Outra folha de mim lança para o Sul,

Onde estão os mares que os Navegadores abriram;

Outra folha minha atira ao Ocidente,

Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,

Que eu sem conhecer adoro;

E a outra, as outras, o resto de mim

Atira ao Oriente,

Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,

Ao Oriente pomposo e fanático e quente,

Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,

Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,

Ao Oriente que tudo o que nós não temos,

Que tudo o que nós não somos,

Ao Oriente onde — quem sabe? — Cristo talvez ainda hoje viva,

Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo...

Vem sobre os mares,

Sobre os mares maiores,

Sobre os mares sem horizontes precisos,

Vem e passa a mão pelo dorso da fera,

E acalma-o misteriosamente,

ó domadora hipnótica das coisas que se agitam muito!

Vem, cuidadosa,

Vem, maternal,

Pé ante pé enfermeira antiquíssima, que te sentaste

À cabeceira dos deuses das fés já perdidas,

E que viste nascer Jeová e Júpiter,

E sorriste porque tudo te é falso é inútil.

Vem, Noite silenciosa e extática,

Vem envolver na noite manto branco

O meu coração...

Serenamente como uma brisa na tarde leve,

Tranqüilamente com um gesto materno afagando.

Com as estrelas luzindo nas tuas mãos

E a lua máscara misteriosa sobre a tua face.

Todos os sons soam de outra maneira

Quando tu vens.

Quando tu entras baixam todas as vozes,

Ninguém te vê entrar.

Ninguém sabe quando entraste,

Senão de repente, vendo que tudo se recolhe,

Que tudo perde as arestas e as cores,

E que no alto céu ainda claramente azul

Já crescente nítido, ou círculo branco, ou mera luz nova que vem.

 

A lua começa a ser real.

 

 

 

(FINS DE DUAS ODES, NAIURALMENTE)

I

A Teoria do Silva

Avatar do autor julmar, 09.09.09

 Os primeiros testes de inteligência surgiram com a escolaridade obrigatória e com a constatação que alguns alunos ficavam para trás nas aprendizagens. Deste modo, com um progresso louvável começa a haver cidadão que são rotulados de atrasados, ou de uma forma erudita oligofrénicos. Outros devido a testes na entrada na vida militar começam a receber outros qualificativos discriminatórios; aliás a ciência médica não parou no progresso das suas investigações de taxar. Quanto maior for a caminhada  e/ou quanto maior for a velocidade que se imprima à corrida maior será o número de desistentes. A escolaridade obrigatória. A maior  parte das doenças e das exclusões veio por via de um maior conhecimento. Ser analfabeto só foi causa de exclusão por se tornar obrigatório saber ler. Quanto mais avançada é uma economia mais desemprego e exclusão cria. Os atrasados que só o são porque. O insucesso aumenta na medida em que todos têm que aprender isto. E alguns aprenderiam melhor aquilo. E outros que o aprenderiam de outra maneira. E outros que não o aprenderiam de jeito nenhum. Mas aquilo não é apreciável. O trabalho manual e o trabalho intelectual. As diversas inteligências. E quando a genética puder fazer predição de quem é bom em quê a exclusão começará no berço ou antes. E os criminosos serão presos antes de cometerem crime. Deus permitiu a existência do mal (mistério dos mistérios)[1], o homem não o permitirá; Cristo permitiu que Judas jantasse com ele antes que se enforcasse, o homem não o permitirá. Ah, quando tudo for transparente não valerá pena a vida porque d



[1] Evangelho Segundo Jesus Cristo e o artigo sobre S. agostinho

Parque infantil - Miguel Torga

Avatar do autor julmar, 04.09.09

Joga a bola, menino!

Dá pontapés certeiros

Na empanturrada imagem

deste mundo.

Traça no firmamento

órbitas arbitrárias

Onde os astros fingidos

Percam a majestade.

binca, na eterna idade

Que eu já tive

E perdi,

Quando, por imprudência,

Saltei o risco branco da inocência

E cresci

O Coração das Trevas

Avatar do autor julmar, 01.09.09

Foi na leitura desta obra que Francis Ford Coppola se inspirou para fazer o argumento do filme Apocapipse Now. Também aqui é verdade que os grandes livros não se medem pela quantidade de páginas: apenas 131. Grandes escritores leram esta obra e Augustina Bessa Luís considerou-a o romance da sua vida. Eu que nem escritor sou ficaria mais pobre do que sou sem a sua leitura: pela forma e pelo conteúdo. Uma obra avassaladora. O título faz parte da perfeição da obra.