A Fenomenologia do Espírito - Hegel
julmar, 28.12.06
Para os que julgam que filosofar é fácil
«Constitui um obstáculo ao estudo da filosofia, tão grande quanto a atitude raciocinante, a presunção – que não raciocina – das verdades feitas. Seu possuidor não acha preciso retornar sobre elas, mas as coloca no fundamento, e acredita que não só pode exprimi-las, mas também julgar e condenar por meio delas. [Vendo as coisas] por esse lado, é particularmente necessário fazer de novo do filosofar uma atividade séria. Para se ter qualquer ciência, arte, habilidade, ofício, prevalece a convicção da necessidade de um esforço complexo de aprender e de exercitar-se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro e instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao contrário, no que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que qualquer um sabe imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois tem para tanto padrão de medida na sua razão natural – como se não tivesse também em seu pé a medida do sapato.
Parece mesmo que se põe a posse da filosofia na falta de conhecimentos e de estudo; e que a filosofia acaba quando eles começam. Com freqüência se toma a filosofia por um saber formal e vazio de conteúdo. Não se percebe que tudo quanto é verdade conforme o conteúdo – em qualquer conhecimento ou ciência – só pode merecer o nome de verdade se for produzido pela filosofia. Embora as outras ciências possam, sem a filosofia, com o pensamento raciocinante pesquisar quanto quiserem, elas não são capazes de possuir em si nem vida, nem espírito, nem verdade sem a filosofia.
No que concerne à filosofia autêntica – esse longo caminho da cultura, esse movimento tão rico quanto profundo através do qual o espírito alcança o saber –, vemos que são considerados equivalentes perfeitos e ótimos sucedâneos seus a revelação imediata do divino ou o bom senso comum. E algo assim como se faz publicidade da chicória como bom sucedâneo do café.
Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem forma nem gosto – incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstrata sequer, e menos ainda no conjunto articulado de várias proposições –, garantindo que são, ora a expressão da liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade. Genialidade que, como hoje grassa na filosofia, antes grassava igualmente na poesia, como é notório. Porém, quando tinha sentido o produzir de tal genialidade em lugar de poesia, o que engendrava era uma prosa trivial; ou, se saia para além da prosa, discursos desvairados. Assim, hoje, um filosofar natural que se julga bom demais para o conceito, e devido à falta de conceito se tem em conta de um pensar intuitivo e poético, lança no mercado combinações caprichosas de uma força de imaginação somente desorganizada por meio do pensamento – imagens que não são carne nem peixe; que nem são poesia nem filosofia.»