Mais um reencontro com Gilles Deleuze sobre uma questão que quase sempre é tratada pelo senso comum filosófico. É um grato prazer ao encontrarmos um texto sobre algo que queríamos dizer mas não havíamos ainda encontrado as palavras certas.
«É por isso que o filósofo não tem grande gosto em discutir. Qualquer filósofo se põe a fugir quando ouve a frase: vamos discutir um bocado. As discussões são boas para as mesas redondas, mas a filosofia lança os eus dados cifrados para cima de outra mesa.O mínimo que pode dizer das discussões é que não fazem avançar o trabalho, visto que os interlocutores nunca falam da mesma coisa. Que alguém tenha uma opinião e pense isto em vez de aquilo que importância tem para a filosofia, enquanto os problemas em jogo não forem ditos? E quando forem ditos, não se tratará jé de discutir, mas de criar conceitos indiscutíveis para o problema que nos destinámos. A comunicação vem sempre demasiado cedo ou demasiado tarde e a conversa está sempre a mais, em relação ao criar. Tem-se por vezes da filosofia a ideia de uma perpétua discussão como ‘racionalidade comunicacional’ ou como ‘conversa democrática universal’, Nada mais falso, e quando um filósofo critica outro, é a partir de problemas e num plano que não eram os do outro, e que fazem derreter-se os antigos conceitos como se pode derreter um canhão para fazer novas armas. Nunca se está no mesmo plano. Criticar é apenas verificar que um conceito desaparece, perde as suas componentes ou adquire outras que o transformam, quando está mergulhado num meio novo. Mas os que criticam sem criar, os que se contentam em defender o desaparecido sem lhe saber dar a força para voltar à vida, esses são a praga da filosofia. É o ressentimento que os anima, a todos esses discutidores, esses comunicadores. Só falam de si próprios fazendo confrontarem-se generalidades vazias. A filosofia tem horror a discussões. Tem sempre outra coisa para fazer»
O que é a Filosofia?
Gilles Deleuze e Félix Guattari
Ed. Presença