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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

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Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

O Desconsolo Filosófico - Parte 1 - Afonso Leonardo

Avatar do autor julmar, 19.12.12

( texto motivado pela indisposição causada pela leitura de CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO FILOSOFIA 10 ANO 2012-2013)
Haverá, certamente, no caminho que conduz um jovem de catorze ou quinze anos à filosofia ( ou ao filosofar) atrativos e dificuldades, riscos a correr, obstáculos a superar. Trata-se, de facto, do início de uma viagem a que todos são convocados devendo valer-se das experiências e conhecimentos adquiridos até então. Essa é a bagagem do viajante. Porque se trata de uma bagagem espiritual - ideias, atitudes, valores, experiências, estratégias, métodos ..., quanto maior, mais ágil torna o seu carregador. Importante é saber que todo o iniciante é capaz de chegar ao fim. Verdade que as paisagens são tão diversificadas que, embora percorrendo o mesmo caminho, no fim a viagem de cada um terá visto coisas diferentes. A preocupação fundamental numa viagem de grupo é que nenhum elemento se perca. Essa é uma responsabilidade de todos e, em particular, do seu guia,o professor. Por isso, às vezes, é preciso diminuir o ritmo da marcha, renunciar a uma colina demasiado abrupta, deixar que uns vão por um lado e outros por outro e fomentar a entreajuda. Em boa verdade, numa viagem assim, vencer sozinho, é uma derrota.
A preparação para a viagem é muito importante e o seu êxito, depende em grande parte de como se faz a iniciação. Neste momento só o guia conhece o percurso, os caminhos, veredas, paisagens, fontes, etc. Se é experiente sabe como se pode usufruir ao máximo da viagem com o mínimo de riscos. Será capaz de motivar, de dar confiança. Contará aos iniciantes os êxitos das excursões passadas. Alertá-los-á para os cuidados a ter na viagem que vão iniciar e dos proveitos a usufruir. Porque viajar não é seguir um caminho feito, mas fazê-lo. Viagem, do latim, via+agere, isto é, fazer via.
E o primeiro risco de quem faz viagem é errar. Mas essa é a condição eminentemente humana, a situação incontornável de toda a aprendizagem, especialmente a filosófica. O que define o homem não é o determinismo da imóvel pedra jacente, da impulsividade animal, mas antes a incerteza dos seus passos de ser bípede comandado por uma mente aprendente. No seu desenvolvimento como espécie, no seu desenvolvimento individual o que melhor define o homem é a de um ser errante, de ser homo viator. Por isso, o guia, não que deva incentivar o erro, mas deve compreendê-lo, tolerá-lo como parte integrante do ensaio filosófico. Seria intolerável que à criança que cai ao tentear os primeiros passos, fosse punida pelos pais. Certamente, a criança pararia os ensaios com consequências desastrosas. Pelo contrário, o que se faz é minimizar o erro e incentivar, incentivar sempre, elogiando cada passo.
O incentivo, a atração, a motivação têm de ser o combustível indispensável na caminhada e o professor terá de os fornecer de modo adequado.
Há, na verdade, alguns guias que olham para esta viagem como uma via sacra que veêm cada aluno como um Cristo que carrega uma cruz até ao Calvário. A única forma de se libertarem da ignorância é pelo sofrimento, pela dor. Pelo trabalho.
Pelo trabalho na acepção bíblica, como castigo, como remissão do pecado: "Ganharás o pão com o suor do teu rosto" .
Por isso, no início da viagem se darão as devidas instruções para que ninguém ouse distrair-se, para que estejam atentos ao pecado capital: a preguiça. E para esse enaltecimento do trabalho regenerador se vão buscar citações que persuadam os neófitos: " o trabalho liberta-nos de três grandes males: a pobreza, o aborrecimento e o vício", esquecendo-se ( não sabendo ou ocultando) que o mesmo Voltaire autor da frase diz: "uma frase inteligente não é a prova de nada" e, ainda, sobre o trabalho, o mesmo Voltaire afirma: "Trabalhemos sem raciocinar: é o único meio de tornar a vida suportável". É que a concepção de trabalho de Voltaire não é a bíblica e nem deveria gostar de se ver citado a corroborar tal conceção.
Por vezes, a exaltação do trabalho é mesmo muito cínica como acontecia com a frase que os nazis tinham à entrada do campo de concentração de Auschwitz: " O trabalho liberta o homem".
Como é ironicamente que Voltaire escreve as frases:
(...) O trabalho liberta-nos de três grandes males: a pobreza, o aborrecimento e o vício
(...) Trabalhemos e deixemo-nos de discursos - disse Martin -; é o único meio de tornar a vida suportável.
Precisamos de saber quando Voltaire fala a sério. A obra de onde são extraídas as citações - Le Cândide - é uma obra em que Voltaire fala a sério, a brincar.
Não é, certamente, com citações ou com sermões sobre o valor do trabalho que se persuadem os alunos tal como não se tornarão filósofos dizendo-lhes que a filosofia é importante. É preciso que cada um o descubra com auxílio de quem oriente o olhar.
Essa é a função do professor. Tudo o resto não vale nada, quase nada.