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Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Badameco

Anotações, observações, reflexões sobre quase tudo o que me (co)move

Lendo Ítalo Calvino

Avatar do autor julmar, 07.11.12

Uma pequena grande obra, lida de sofreguidão.

"Cheguei ao fim desta minha apologia do romance como grande rede. Poder-se-á objectar que quanto maior for a tendência da obra para a multiplicação dos possíveis mais se afasta do unicum que é o self de quem escreve, a sinceridade interior, a descoberta da sua própria verdade. Pelo contrário, respondo eu, quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinação de experiências, de informações, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objectos, um catálogo de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.

Mas talvez seja outra a resposta que levo mais a peito: oxalá fosse possível uma obra concebida fora do self, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva limitada de um eu individual, não só para entrar noutros eus semelhantes ao nosso, mas também para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que poisa nobeiral, a árvore na Primavera e a árvore no outono, a pedra, o cimento, o plástico...

Não seria este porventura o ponto de chegada para que tendia Ovídio ao contar a continuidade das formas, o ponto de chegada para que tendia Lucrécio ao identificar-se com a natureza comum a todas as coisas?"  pg 145