Retórica
julmar, 10.08.11
“A linguagem sofre frequentes abusos no discurso figurativo. Dado que a graça e a fantasia encontram melhor acolhimento no mundo do que a seca verdade e o conhecimento genuíno, os discursos figurativos e a alusão dificilmente serão considerados uma imperfeição ou um abuso da linguagem.
Admito que, nos discursos em que procuramos prazer e diversão em vez de informação e instrução, é difícil que os ornamentos desse género passem por falhas. No entanto, se queremos falar das coisas como elas são, temos de reconhecer que toda a arte da retórica, exceptuando aquilo que respeita à ordem e à clareza, que todas as aplicações artificiais e figurativas das palavras criadas pela eloquência servem apenas para insinuar ideias erradas, para excitar as paixões, e assim para nos conduzir ao erro.
De facto, essas aplicações são perfeitos logros, e por esta razão, por muito louvável ou aceitável que a retórica possa parecer em discursos e declamações populares, é óbvio que elas têm de ser completamente evitadas em todos os discursos que pretendam informar ou instruir. E onde a verdade e o conhecimento interessam, tais aplicações têm de ser consideradas uma grande falta (...).
Quantas e que aplicações são essas, é algo que seria supérfluo indicar aqui. Os livros de retórica que abundam no mundo instruirão aqueles que se queiram informar. Só não posso deixar de observar que a humanidade se preocupa muito pouco com a preservação e o avanço da verdade e do conhecimento, pois as artes da falácia são cultivadas e preferidas.
John Locke, Ensaio sobre o Entendimento Humano